Boa leitura!

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

VAMOS, VAMOS, VAMOS...

            Em 1955, substituindo o prof. Lucas Nogueira Garcês, assumiu o governo de São Paulo, o Dr. Jânio da Silva Quadros, ficando no poder até setembro de 57, quando  se desincompatibilizou, para concorrer às eleições a Presidente da República (1959-1963).
           Sua carreira política foi rápida: vereador em 1947, em janeiro de 1961 já tinha assento à  Curul Presidencial, na nova capital federal - Brasília, inaugurada um ano antes pelo grande presidente Juscelino Kubitschek.
         Fixemos Jânio Quadros em 1955, entronizado no Palácio dos Campos Elíseos. Ele personificava a esperança do povo bandeirante, acreditando que a vassoura (peça principal de sua campanha), iria varrer todos os corruptos do Estado. Ela era exaltada em todos os comícios de rua, nas rádios e televisões, a figura de Jânio empunhando-a num gesto teatral, cantando com o povo enlouquecido "varre, varre vassourinha"...., canção cunhada em milhares e milhares de discos. Jânio era então o gênio do populismo.

          Nos trinta meses que governou São Paulo, ele destilou todo ódio à Força Pública, diminuindo ou cortando nossas verbas orçamentárias, sofrendo a Cavalaria sem milho e alfafa para os animais, a farmácia sem medicamentos, o Hospital Militar carente de meios para cuidar da saúde dos nossos homens. 

          Nesse estado de coisas brotou, nas mentes e nos corações dos tenentes da época, uma ideia revolucionária para o desagravo; a ordem era depor dos Campos Elíseos, aquele governador rancoroso, autoritário, que ofendia a honra da tropa de Tobias de Aguiar.
         Inspiramo-nos, então, no Tenentismo de Cabanas e Miguel Costa, este monstro sagrado da nossa história, que assombrou a nação, comandando a maior marcha militar do planeta.

       O que teria acontecido para tanto ódio à nossa Corporação? Sem dúvida os nossos milicianos dos batalhões de Choque, patrulhas de área ou lanceiros a galope, teriam a agido às vezes com energia, para a manutenção da ordem, nas manifestações excessivas ou desordeiras de seus apaixonados seguidores. E foram muitos os conflitos!      
        “Navegar era preciso”, combater Jânio Quadros também era. Começamos as reuniões secretas, realizadas à noite em dois pontos estratégicos: o primeiro no Hospital Militar da Rua Jorge Miranda e outro no Quartel General em construção na Praça Fernando Prestes.   
      As ordens de reuniões eram enviadas para mais de 200 tenentes, mas a decepção vinha no dia seguinte, quando poucos  compareciam,  a maioria nos decepcionava. Perguntávamos então a todos os faltosos a razão do não comparecimento e a resposta vinha sempre atrapalhada, demonstrando certa covardia, pois eles teriam comparecido no QG novo quando a ordem era no QG velho ou no hospital velho quando a ordem era no hospital novo.
      De tanta demora, delongas, Jânio havia interrompido seu governo, candidato a presidente da República, fato assinalado acima. Seu substituto foi o prof. Carlos Alberto Alves de Carvalho Pinto que pagou o pato,  e a revolta estourou em suas  mãos.

Depois de ordens e contra ordens chegou o dia fatal, ou melhor, a noite fatal, agora contra Carvalho Pinto, que também continuou com as mesmas negativas de Jânio. A ordem aos tenentes, agora por escrito, determinava  a data, local e a hora para o início de nossa luta, que começaria às 20h no hospital militar velho. O novo estava sendo construído no Barro Branco.
          Éramos então duas centenas de combatentes, desfraldando a Bandeira do Tenentismo, no pátio que hoje pertence a quatro Entidades, a Capelania Militar, o CAES , o Museu Militar e o Serviço de Subsistência.
         Nessa memorável noite, eu me lembro bem, o Tenente Melo atrasou-se, pois o bonde Vila Mariana-Ponte Grande (que saudades dos bondes de outrora!...) demorou muito. 
Em chegando ao pátio do hospital velho, espantado, ouviu um grito aterrador:


                    "PASSO O COMANDO DA TROPA AO TENENTE MELO"

           O susto  foi enorme, aumentado geometricamente, quando o tenente, que não me lembro o nome, numa posição espartana, o assustou ainda mais, com a seguinte advertência:
            
             MELO VAMOS, VAMOS, VAMOS! EU IA PARTIR COM A TROPA PARA O ASSALTO AO QG E DEPOIS AO PALÁCIO MAS O SR. CHEGOU, O SENHOR É MAIS ANTIGO E O COMANDO É SEU. EU FICO NO ESTADO MAIOR.

           Melo perdeu o chão e observou que o Estado Maior já tinha 3 chefes, naturalmente a tropa já havia tido três comandantes. Lívido, a pressão alta, o coração a duzentos por hora, perguntou a si mesmo: E agora, o que é que eu faço?
          Seu antecessor o torturava de minuto a minuto, com a voz tonitruante, aumentando sua aflição, com a mesma advertência:

           MELO VAMOS, VAMOS, VAMOS! EU IA PARTIR COM A TROPA PARA O ASSALTO AO QG E DEPOIS AO PALÁCIO MAS...

             O tempo ia passando e ele não teve outra  alternativa, não teve dúvidas, respirou fundo e assumiu o comando da tropa. O Chefe do Estado Maior, sádico, não lhe dava trégua, repetindo sempre aquela frase aterradora: Melo vamos, vamos, vamos...
      Entrementes, com a carcaça tremendo, ele procurava alguém, os olhos atentos vasculhando o território todo, na esperança de vislumbrar qualquer alma penada mas que fosse mais antiga que ele ou seu superior; os segundos pareciam uma eternidade  e ele, ansiado, transpirando,  com vontade de ir ao banheiro mas eis que um  milagre  aconteceu!!! Ele exultou, levitou, flutuando entre as nuvens, parecendo ter ganho a sorte grande da loteria  federal. É que divisou, na penumbra da noite, um vulto com três galões nos ombros, era o capitão X. Reuniu então todas as forças possíveis, físicas, morais e espirituais e berrou, urrou como uma fera:

           PASSO O COMANDO DA TROPA AO EXMO SR. CAPITÃO X, BRILHANTE OFICIAL DA NOSSA QUERIDA FORÇA PÚBLICA.

           Com esse urro, a cavalhada do Regimento fez um tropel nas baias, arrebentando as correntes; os passarinhos, empoleirados nas árvores,  saíram todos em revoada, procurando outros ninhos em verdes motéis e os doentes do hospital pegaram seus rosários, beijaram o Cristo, certos do fim do mundo. 
           Melo então se vingou, transferindo ao capitão aquelas advertências diabólicas daquele malvado Tenente, seu antecessor:

      SENHOR CAPITÃO, VAMOS, VAMOS , VAMOS. EU IA PARTIR COM A TROPA PARA O ASSALTO AO QUARTEL GENERAL E DEPOIS AO PALÁCIO MAS O SENHOR CHEGOU, O SENHOR É MEU SUPERIOR, O COMANDO É DE V.SA. EU ASSUMO O ESTADO MAIOR.

          Os relógios marcavam 22:00 horas!  O capitão, pálido e vacilante, perscrutava os  horizontes, e nada, nada e o Tenente Melo, com aquelas cutucadas, aquelas advertências: Senhor capitão vamos, vamos, vamos, eu ia sair mas...
           Sinuca de bico, pensou. Um fato inusitado aconteceu, pois o capitão reuniu toda a tropa em seu redor e, empostando a voz, discursou:

Jovens Tenentes, meus amigos! O Major R, guerreiro como nós, está nos esperando na Academia do Barro Branco. Ele possui várias viaturas, para o transporte aos nossos objetivos, naturalmente ele no comando, para a arrancada heróica, a nossa luta do desagravo. Confiem meus nobres  Oficiais nas minhas palavras, vamos defender a gloriosa  Força Pública!

             Animados pelas sábias palavras do capitão, saímos pela Rua Jorge Miranda em passo de estrada sob o comando do valente orador o capitão X.
           O Tenente Melo, agora como chefe do Estado Maior notou, na virada da Avenida Tiradentes, que os pelotões estavam esvaziados, somando ao todo apenas 60 “patriotas”. Na subida da Avenida Água Fria éramos apenas 30.
           Esfalfados, chegamos na Academia apenas 15 idealistas, os relógios marcando 5:00 horas. O major, com a guarda do quartel armada com metralhadoras, nos prendeu em nome da legalidade - triste madrugada foi aquela... Éramos agora 15 prisioneiros, réus em 15 Inquéritos Policiais Militares, nossa Bastilha em Sorocaba, no 7.º Batalhão comandado pelo  Coronel  Divo Barsotti.


Em tempo: coitado de Carvalho Pinto, pois em junho de 1961 houve outra rebelião, agora mais grave; foi um motim iniciado no Corpo de Bombeiros, os tenentes hasteando uma bandeira preta no quartel da Praça da Sé. O Aspirante Edil Daubien, comandando  um comboio de carros valiosíssimos dos Bombeiros, entregando-os ao Governador Carvalho Pinto, com a seguinte mensagem: Esses carros são de grande valia e não devem ser pilotados por policiais com salário de fome e uniformes esfarrapados; mas isto é uma outra história!

domingo, 13 de janeiro de 2013

MUTUM E CHICO PRETO

Nosso instrutor de Armamento, Material e Tiro, na Academia do Barro Branco, era o Tenente Aquino, audaz cavalariano, várias vezes campeão nos torneios hípicos, como Salto, Pólo, Adestramento e outras competições que a maravilha do cavalo proporciona.

Suas aulas, teóricas ou práticas, dadas com objetividade e motivação, duravam quarenta minutos e, nos dez restantes, o assunto era livre, permitindo perguntas, respondidas com maestria, fazendo também os seus questionamentos importantes, que muito contribuíram para o aprimoramento da nossa cultura.

Como oficial do Regimento “9 de Julho”, tinha direito a dois cavalos, adestrados com muito carinho, para as disputas internas ou na Sociedade Hípica Paulista, concorrendo também em outros Estados e no Distrito Federal, na época Rio de Janeiro.

Um detalhe, o tenente gostava de futebol e era um fanático sãopaulino. Muitas vezes, ao iniciar a aula, um cadete mais afoito lembrava de uma vitória tricolor ou de uma conquista sua na equitação, montando os seus cavalos, Mutum ou Chico Preto, aí o mestre Aquino “arquivava” suas anotações sobre a matéria e os cinquenta minutos regulamentares, mais os dez de intervalo, avançando mesmo no horário do outro professor, eram absorvidos nas exposições detalhadas daqueles eventos vitoriosos, futebol ou hipismo (a bem da verdade, ele repunha a matéria na aula seguinte, não prejudicando o calendário elaborado pelo Diretor de Ensino).

Ficávamos maravilhados pela exuberância de seu discurso, descrições homéricas, parecendo um ator famoso, num teatro repleto de aficionados, representando uma peça ou uma ópera. Leônidas, o “Diamante Negro”, era o seu ídolo, e na descrição do “Gol de Bicicleta”, o mestre gesticulava, energizando todo o corpo, levantando os braços e as pernas chutando não a bola e sim as pernas de um aluno; numa ocasião, dramatizando demais o salto do Mutum, quebrou duas cadeiras da sala de aula.

Mas um dia, inesquecível dia, era uma segunda-feira. No domingo, montando Chico Preto, havia conquistado a Taça, numa competição entre os melhores Oficiais do Regimento.

Adentrou à sala de aula, ar circunspecto, demonstrando certa fadiga. Recebeu a saudação regulamentar e, incontinente, mandou buscar uma metralhadora, objeto de sua aula prática, sobre o funcionamento de uma arma automática.

- Meus alunos, quinta-feira passada os senhores aprenderam toda a nomenclatura de uma metralhadora e agora vamos à teoria do tiro, que pode ser intermitente, isto é, tiro a tiro, e automático. Municiada a arma, dado o primeiro tiro, os gases expandidos levam a culatra para trás, aí a mola propulsora a empurra para frente, ejetando o cartucho, ao mesmo tempo que o percursor detona outro tiro. Se o dedo do atirador permanecer acionando o gatilho, teremos o tiro contínuo, automático, propiciando as rajadas...

- “Seu Tenente, posso fazer uma pergunta para o senhor?”
(era aquele aluno afoito, cara de pau).

- É sobre a matéria?

- Não “seu” Tenente, é que a classe inteira quer dar os parabéns ao senhor, pela grande vitória, obtida ontem no picadeiro do Regimento; o senhor montou o Chico Preto ou o Mutum?


Nesse ponto, Aquino transmudou-se, foi às nuvens, sorriso nos lábios, brilho nos olhos, alma em festa, começou a descrever sua soberba conquista:


- Eram doze obstáculos a percorrer em doze minutos, uma prova muito difícil. Então enquadrei Chico Preto nas ajudas e parti, pocotó, pocotó, pocotó, prolop, prolop, prolop (pocotó=trote e prolop=galope, termos onomatopaicos), saltei o primeiro obstáculo com zero falta, fiz uma curva à direita e pocotó, pocotó, pocotó, pocotó, prolop, prolop, prolop, prolop, venci o segundo obstáculo, uma cancela de dois metros de altura; o terceiro, o quarto e o quinto eram muito altos, com fossos retangulares cheios de água, aí eu levei os dois braços para a frente, roçando com as rédeas o pescoço de Chico Preto e pocotó, pocotó...


Nesse instante a porta da sala se abriu, entrando uma luzida comitiva – suspense, calafrios em todos nós, assustados com tantas estrelas, gemadas, galões resplandescentes, botas reluzentes, esporas brilhando, alamares faiscando.


Era o General Luiz Gaudie Ley, Comandante Geral da então Força Pública, com todo o seu Estado Maior e mais os Coronéis Diretor Geral de Instrução, Comandante do Centro de Instrução Militar (hoje Academia do Barro Branco), Diretor de Ensino e Capitães Ajudantes de Ordens... espetáculo inusitado e maravilhoso para nós, jovens alunos.

Mestre Aquino não se perturbou, e com uma calma indescritível “apeou” do Chico Preto e “montou” na metralhadora.

- Escola, Sentido! Pronto Senhor General, estava terminando uma aula de Armamento e Tiro. Peço licença a V. Exa para concluí-la.

- PERMISSÃO CONCEDIDA, Tenente!

Bem meus alunos, como estava explicando, se o atirador continuar pressionando o gatilho, o tiro da arma será automático, provocando as rajadas de metralhadora. Na próxima semana praticaremos o tiro no stand do Barro Branco.


O General ficou encantado, cumprimentando efusivamente o nosso instrutor, manifestando orgulho em comandar a Tropa Paulista. Recordou os seus tempos de juventude, o início de sua carreira nas terras gaúchas e, com muita eloquência, descreveu toda a sua carreira até o Generalato.


Passaram os anos, em 1944 fomos declarados Aspirantes a Oficial, a primeira turma a se formar no Barro Branco.

Em 1994, reunimos os dez remanescentes (Éramos 38 e, agora, neste dezembro de 2009, somos apenas meia dúzia) e convidamos o mestre Aquino, para compartilhar conosco a alegria, nesse momento tão maravilhoso. Na Capelania, após a missa de Ação de Graças, sentimos sua religiosidade, ele ajoelhado, fazendo suas orações frente ao nosso Padroeiro, o milagroso Santo Expedito.

Em seguida, na Academia do Barro Branco, com muita emoção, assistimos, os novos Cadetes, desfilando em nossa homenagem, arrancando-nos lágrimas dos olhos, do coração e da alma.

Percorremos todo o Quartel e sentimos que uma ilusão gemia em cada canto e chorava em cada canto uma saudade.

No almoço, o nosso querido Aquino, à cabeceira da mesa, era o dono da festa. Cada um de nós era um artista, dramatizando tudo, todos os momentos idos e vividos, em torno do grande mestre, que ria, gargalhava, por horas e horas. Os assuntos giravam, todos, em torno de futebol, de seus cavalos, da cena do General Comandante, ele apeando do Chico Preto e “montando na metralhadora...”

Quatro anos depois, o querido mestre Aquino, beirando os 90 anos, nos deixou, voou para a Eternidade, escoltado por um certo Centurião, Comandante da Cavalaria Expedita, iluminado pelas cintilações de mil galáxias.


CURIOSIDADES


- Na Revolução Constitucionalista, São Paulo se armou cavaleiro de olímpica aventura, empolgando a alma cívica da nação. Júlio Marcondes Salgado, o nosso general, herói-mártir, erigiu-se em símbolo da vontade e da honra das gentes bandeirantes;


A milícia paulista foi a primeira organização do Brasil que recebeu instrução militar do exército francês;


- O primeiro núcleo organizado do ensino de esgrima no Brasil foi a sala d'armas fundada pelo então alferes Pedro Dias de Campos, no 1 BC, hoje 1º BP Choque;


Foi no campo do Guapira, hoje Parque Edu Chaves, que nasceu a aviação militar no Brasil.