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terça-feira, 28 de julho de 2015

SEMANA EUCLIDES DA CUNHA

A crônica deste mês é sobre a Semana Euclides da Cunha, que se realiza, todos os anos, no mês de agosto, em São Jose do Rio Pardo, homenageando o grande escritor e sua famosa obra literária OS SERTÕES.

Esse acontecimento atrai brasileiros e estrangeiros, admiradores de Euclides da Cunha e de seu livro, traduzido em todos os idiomas do mundo.

A cada ano, a Semana é enriquecida, pois veem à luz, sobre o magno evento, novos temas, diálogos, críticas, discussões, discursos, conferências, filmes, etc... que somam à já grandiosa literatura sobre o apaixonante assunto. O leitor, naturalmente curioso, perguntará: Por que a Semana ser realizada em São José do Rio Pardo, sendo Euclides da Cunha fluminense, nascido no município de Cantagalo?

Antes de responder, quero dar a notícia de que a bela cidade de São José do Rio Pardo é terra natal do nosso amigo Maj. Dércio Chiconello, brilhante jornalista, redator do nosso “Clarinadas da Tabatinguera”.

Vamos aos fatos. Euclides da Cunha desligou-se do Exército, em fins do século XIX, onde servira como 1.º Tenente. Mudou-se para São Paulo, sendo contratado para ir à Bahia, como correspondente do jornal “O Estado de São Paulo”, para cobrir toda a Guerra de Canudos (1897).

Essa Guerra ou Campanha deveu-se a Antônio Conselheiro e seus jagunços. Pensava-se, na ocasião, que o Conselheiro fosse o chefe de outra Rebelião, para derrubar a Novel República, assustadas que permaneciam as autoridades federais com a Revolta da Armada de 1893, cujos líderes desejavam a volta de D. Pedro II. O Conselheiro e seu Bando sempre repetiam o nome do Imperador nas frequentes procissões de cunho religioso.

Suas primeiras vitórias carrearam à região milhares de nordestinos, fanatizados pelo novo Messias, que pregava a luta até a morte, porque no Paraíso os rios são de leite e os barrancos de rapadura. Com essa crença mística, os simples jagunços se tornaram guerrilheiros incomparáveis, enfrentando os canhões e rajadas de metralhadoras das tropas governistas, convictos de que, morrendo, teriam a recompensa divina.



A OBRA


OS SERTÕES, obra de imenso valor, foi traduzido em todos ou quase todos os idiomas do mundo, projetando o nome do Brasil e de seu grande escritor Euclides da Cunha.

Em março de 1897, escreveu o seu primeiro artigo para o jornal O Estado de São Paulo, intitulado “A Nossa Vendéia”, relacionado com a campanha de Canudos. Comparou Antônio Conselheiro e seus jagunços aos camponeses católicos da região da França (Vendéia), fieis ao Rei Luiz XVI, contra os jacobinos da Revolução Francesa de 1789. Escreveu outros artigos, guardou-os para um futuro livro. 

Em 1899, Euclides vai a São José do Rio Pardo para, como engenheiro, reconstruir uma ponte metálica, caída durante uma enchente. Levou consigo toda documentação sobre Canudos, todo o seu diário de campanha. À beira do Rio Pardo construiu uma cabana, cobertura de zinco e, nas horas de folga e de inspiração, escreveu a monumental obra que foi lançada em 1902 com grande êxito de críticas e vendas.

O livro foi estruturado em 3 partes: A Terra, O Homem e A Luta.


A TERRA


É a descrição da terra, feita pelo grande escritor, detalhando todas as características da região, sua geografia e sua geologia. Descreveu, com maestria, o solo, a flora e a fauna, enfocando a seca como a maior das calamidades para os nordestinos.

Ele praguejou a terra, barbaramente estéril, exaltando-a como maravilhosamente exuberante quando, com um pouco de chuva, aquele deserto medonho se transformava, as matas se cobrindo de verde, alegrando a alma do sertanejo.


O HOMEM


“O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral...”

Neste capítulo, Euclides da Cunha foi um sociólogo e um antropólogo. Descreveu o sertanejo e sua relação com a terra, com o meio, sua gênese, seu comportamento, crença, uso e costume. Sobre Antônio Conselheiro, o líder das caatingas, apresentou o seu passado, o seu caráter e como era a sua vida nas andanças místicas. 

As duas partes A TERRA E O HOMEM, minuciosamente descritas, são o grande palco onde entrarão os personagens para o grande espetáculo, a guerra que não devia ter acontecido, verdadeiramente um genocídio.


A LUTA


Em 1893, o governo da Bahia mandou uma Companhia para limpar a região, pois o pregador já atemorizava os moradores das caatingas. Conselheiro e seus homens desbarataram a tropa do Cap. Vergílio Pereira de Almeida, da Força Pública baiana.

O governo federal, preocupado com a ordem social ameaçada e o perigo de restauração da Monarquia, organizou uma expedição militar para vencer os amotinados. Essa expedição é derrotada. Mais duas, a 2.ª e 3.ª expedições também são derrotadas, ficando todo o material bélico em poder dos jagunços. 

Somente a 4.ª expedição logrou êxito.



Vejamos a constituição dessas quatro expedições militares:


Em 1896 – 1.ª Expedição – do Exército, comandada pelo 1.º Ten. Pires Ferreira – efetivo 107 praças. Foi completamente desbaratada e todo o armamento ficou em poder dos jagunços.

Em 1897 – 2.ª Expedição – do Exército e Força Pública da Bahia, comandada pelo Maj. Febrônio de Brito – efetivo 506 homens munidos de metralhadoras e dois canhões Krupp – completamente vencida e todo o armamento apreendido.

Em 1897 – 3.ª Expedição, mês de março – do Exército e Força Pública da Bahia – composta de Infantaria, Cavalaria e Artilharia – comandada pelo Cel. Moreira César – efetivo 1.300 homens – completamente batida – idem quanto ao material bélico.

Em 1897 – 4.ª Expedição – do Exército e Forças Públicas de vários Estados (de São Paulo, o 1.º BI – hoje 1.º BPM/M “Tobias de Aguiar”) – efetivo 14.000 homens das Três Armas, comando do Gen. Arthur Oscar.

O Arraial de Canudos foi completamente destroçado, mas foi triste o balanço da Guerra: 25.000 mortos (Legalistas e Revoltosos). A Campanha foi um episódio glorioso da Nação ou foi um erro, um genocídio? O próprio Euclides da Cunha, que chegou à região deflagrada, dando Vivas à República e morte a Antônio Conselheiro, se convenceu depois que a guerra não deveria ter acontecido contra aqueles pobres nordestinos, sofridos nos campos áridos daqueles sertões.

Como vimos, na 4.ª Expedição, o nosso 1.º Batalhão de Infantaria (hoje o 1º. BPM/M) lutou heroicamente. Vejamos o desempenho da tropa paulista, extraído dos escritos de Euclides da Cunha e da sua obra Os Sertões:

“A 1º de agosto de 1897, o 1.º Batalhão de Infantaria, da então Força Pública, rumou às terras da Bahia, fazendo o trajeto até Santos por via férrea. De Santos a Salvador a bordo do Vapor Itaituba.

A chegada à capital baiana deu-se a 7 de agosto e a partida, para o requeimado sertão no dia 9, percorrendo o Batalhão o itinerário Salvador-Queimadas, Queimadas-Monte Santo e Monte Santo-Canudos.

Em Monte Santo, chegou a 23 de agosto, desfilando garbosamente pelas ruas da cidade, ao som de marchas militares, surpreendendo autoridades e o povo, pois a apresentação era impecável, em que pesassem 100 quilômetros de deslocamento estafantes.

Incorporado às Forças em operação, recebeu a missão de escoltar até Canudos um comboio de víveres e munições, mais ainda dezenas de muares e 700 cabeças de gado para o abastecimento da tropa. Nenhuma dessas caravanas tinha conseguido chegar intacta ao Arraial de Antônio Conselheiro, pois os fanáticos atacavam sempre, desbaratando-as e apoderando-se da preciosa carga“.



Euclides da Cunha, numa reportagem de 2 de setembro, assim se referiu:


“O Batalhão Paulista, escoltando um comboio, foi atacado nas proximidades de Canudos. Repeliu o inimigo, sem perder um só homem e sem deixar extraviar uma só rez ou muar do rebanho. Foi recebido com entusiasmo pelas forças em operação.

O Batalhão era perfeito na disciplina. Cumpria todas as ordens que recebia, rigorosamente, e estritamente com uma precisão verdadeiramente militar; arriscadíssimas e sérias foram muitas vezes as posições que ocupou e não abandonou.

Mas não era a primeira vez que os Paulistas se aventuraram a arrancadas nos sertões. O Batalhão de São Paulo, heróico e desassombrado no combate, fez reviver, por um momento, numa página da história do presente, todo o vigor guerreiro e toda a índole varonil dos valentes Bandeirantes.

No dia 25 de agosto, o Batalhão entrou em operação de guerra, tomando parte em violentos combates. A 9 de setembro, duas Companhias foram destacadas para guarnecer a estrada do Calumbi, posição chave para as comunicações da linha de frente com a retaguarda, ponto vital de concentração do material bélico e de boca.

Os jagunços esperavam no Calumbi a chegada da expedição do Gen. Arthur Oscar, pois o terreno favorecia o assalto. A estrada ladeada pelas montanhas de Calumbi a Cachamingó, tendo um trecho de mais de 3 quilômetros em desfiladeiro, cortado pelos rios Sargento e Caraíbas. A tropa paulista repeliu valentemente o inimigo, apesar de suas cutilantes investidas.

A 25 de setembro, o Maj. José Pedro de Oliveira, comandando uma ala do Batalhão, recebeu ordens de atacar um grupo de trincheiras inimigas, na bifurcação da estrada de Uauá com Canudos. Foi um embate cruento de longas horas, tendo as tropas do Conselheiro batido em retirada, não resistindo às cargas cerradas, deixando dezenas de mortos e copioso material bélico.

Nesse combate os paulistas tiveram 6 mortos e muitos feridos, entre os quais o valente Maj. José Pedro de Oliveira que, mal refeito dos ferimentos, tomou parte com o Batalhão, a 30 de setembro, no combate decisivo contra Conselheiro e seus homens.

No assalto final ao reduto de Canudos, que só terminou a 5 de outubro, nas cargas e no corpo a corpo, o Batalhão Paulista perdeu mais 6 homens, lutando heroicamente, ao lado dos efetivos do Exército Nacional e das Forças Públicas da Bahia, Pará e Amazonas”.

O lendário Batalhão Paulista regressou a São Paulo, aqui chegando com dezenas de feridos a 26 de outubro, sendo recebido entusiasticamente pelas autoridades e pelo povo. A Bandeira Nacional, que defendeu na dura refrega, se encontra no Salão de Honra do Quartel da Luz, em cujo pátio se ergue, majestoso, o monumento em mármore, onde estão esculpidos os nomes dos 12 mortos paulistas na cruenta guerra.



EUCLIDES DA CUNHA


Euclides da Cunha nasceu a 20 de janeiro de 1866, no município de Cantagalo, Estado do Rio de Janeiro. Assentou praça na Escola Militar em 1886, visando a engenharia militar, tendo sido aluno de Benjamim Constant, que pregava, aos seus discípulos, o positivismo e o ideal republicano.

Em dezembro de 1888, foi desligado da Escola Militar e do Exército, por ter cometido grave falta disciplinar, ao atirar seu sabre ao chão, numa ofensa ao Ministro da Guerra, que visitava os cadetes, para desmobilizá-los de participação na propaganda republicana.

Quando era acirrada na capital federal a luta para a Proclamação da República, Euclides da Cunha mudou-se para São Paulo, onde escreve veementes artigos no jornal “A Província de São Paulo” contra a Monarquia.

No dia 16 de novembro 1889 vai ao Rio, para participar das comemorações pela vitória republicana, na casa do Maj. Sólon Ribeiro. Nessa noite enamorou-se da filha do anfitrião.

A 19 de novembro foi reintegrado ao Exército e promovido a 2º. Tenente. No ano seguinte casou-se com Ana Sólon Ribeiro. Em 1892 , já 1º. Tenente foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras e do Instituto Geográfico e Histórico do Rio de Janeiro.

Em 1904 foi nomeado, pelo Itamarati, chefe da Comissão de Fronteiras, na Amazônia, regressando dois anos depois, sendo efetivado no Ministério do Barão do Rio Branco. Publicou livros: O Alto Purus, Contrastes e Confrontos e Peru Versus Bolívia.

Em 1909 foi nomeado professor de Lógica no Colégio D. Pedro II, marcando a tragédia de Piedade.

No dia 15 de agosto, um domingo chuvoso, no bairro carioca de Piedade, numa troca de tiros com o Cadete Dilermando de Assis, amante de sua esposa, morre Euclides da Cunha. Velado na Academia Brasileira de Letras, sepultado no dia 16, no Cemitério São João Batista, em Botafogo, no Rio de Janeiro.

Anos mais tarde, seu filho, Euclides da Cunha Filho, o Quindinho, Aspirante a Oficial, quis vingar a morte do pai. Também foi morto pelo Cap. Dilermando.

No dia 15 de agosto de 1982, os restos mortais de pai e filho foram trasladados para o mausoléu, em São José do Rio Pardo, à beira do rio, ao lado da cabana, onde veio a luz a extraordinária obra OS SERTÕES.