Boa leitura!

sábado, 12 de abril de 2014

CURIOSIDADES

O OCEANO COMO TÚMULO


Em 1931, Vasco Cinquini morreu tragicamente ao pilotar um avião na Bahia de Santos. Seu corpo e o aparelho repousam no fundo do oceano.

É bom lembrarmos que Vasco Cinquini foi um dos heróis, tripulante do Hidroavião Jahú (glória nacional) no voo histórico da Itália ao Brasil em 1927.


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Os Tenentes Machado Bitencourt e Gomes Ribeiro, pilotos da Aviação Militar Constitucionalista, em 1932, morreram heroicamente no bombardeio de um avião de guerra da Ditadura durante a Revolução, que barrava o Porto de Santos, impedindo o desembarque de farto material bélico comprado nos Estados Unidos. 

Como Vasco Cinquini também o aparelho e os seus pilotos jazem no fundo do mar na Baia de Santos perto do Farol da Moela.

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Mudando de assunto, faço uma pergunta aos meus amigos: é possível um Segundo Tenente na Reserva subir na carreira e ascender ao posto de Coronel?!

Eu conheço dois casos! Para algum amigo curioso, contarei essa história reservadamente.....

sábado, 5 de abril de 2014

TRÊS COMANDANTES DO MEU TEMPO

A Academia da Polícia Militar do Barro Branco teve várias denominações: 1910 – Curso Complementar Literário e Científico, indicação da Missão Militar Francesa; 1913 – Corpo Escola, compreendendo Curso Geral para Inferiores e Curso Complementar para Alferes e Tenentes, também organizado pela Missão Militar Francesa; em 1920 mudou a denominação para Batalhão Escola; 1924 – O Batalhão Escola é agora o Centro de Instrução Militar (CIM); 1950 – passa à denominação de Centro de Formação e Aperfeiçoamento (CFA); 1970 – Com a fusão da Força Pública e Guarda Civil recebe outro batismo, é agora Academia de Polícia Militar; 1978 – até os dias de hoje é Academia de Polícia Militar do Barro Branco. 
Neste contexto histórico, queremos citar três eméritos comandantes do nosso notável estabelecimento de ensino:


CORONEL JOSÉ FRANCISCO DOS SANTOS

Comandou o Centro de Instrução Militar (CIM) por vários anos, na época Getuliana dos Interventores Federais nos Estados. Era obrigatória a presença do Interventor na festa do Espadim (24/5) e na festa da Espada, no dia 15/12, tradição que continua até hoje. Os Interventores mudavam, mas o Cel. José Francisco dos Santos não, sempre firme no comando. Por 10 anos, ou mais, ele discursava, saudando o Interventor e os Cadetes em maio e o Interventor e os Aspirantes em dezembro. Pragmático, os seus discursos eram um caminho a seguir, continham ótimos conselhos e exemplos dignificantes. Mas... os anos se passaram e o Cel. José Francisco dos Santos, contra a sua vontade, foi passado para a Reserva. Retirou-se da sua querida Força Pública e do seu amado CIM, na época, já localizado no Barro Branco. Mais e mais anos decorreram, os seus cabelos branquearam, suas pernas enfraqueceram e sua mente era povoada de sonhos e saudades.

Aos 85 anos adoeceu, baixou ao hospital várias vezes, mas há sempre uma última vez. Na véspera da sua morte, na Cruz Azul, delirou, e é certo que seu pensamento vagou pelas epopéias de 22, de 24, de 30 na Batalha de Itararé, no Túnel da Mantiqueira em 32.

Quantas visões e sons desconexos, pela madrugada afora, em sua mente agonizante! No pesadelo ou sonho dos heróis, também teria voado para os campos do Paraná, na Foz do Iguaçu, com os Legalistas de São Paulo, defendendo a União, contra os revoltosos de Isidoro Dias Lopes, de Miguel Costa e de Luiz Carlos Prestes. No seu delírio, continuou o voo pelas terras de Mato Grosso, Goiás, todo o nordeste até Minas Gerais. De Minas, a Coluna retornou quase que pelo mesmo roteiro da ida e se exilou na Bolívia em 1927, acossada pelos homens da lei.

O Cel. José Francisco dos Santos agoniza e sonha ainda mais – teria lido a Retirada dos Dez mil de Xenofonte, as Guerras de Hamilcar e Aníbal, os Generais de Cartago e se convence que, nos 3 anos de guerrilha, a nossa epopéia é bem maior, é mais épica, são 30 mil quilômetros de agruras, fome, sede, as intempéries do tempo e a luta pelo interior do Brasil... Muito nevoeiro aqui no Barro Branco, minha filha, estou com frio... 

De inopino, já madrugada, ele se levanta, assume a postura espartana e pede a sua filha o seu fardamento e o boné. Atônita e preocupada, ela improvisa, entregando-lhe um pijama, à guisa de farda e um chapéu substituindo o quepe. O velho soldado se veste, põe o ”boné”, empertiga-se todo e se perfila:

- Estou bem minha filha? O meu uniforme está correto?
- Sim papai.
- Hoje, 24 de maio, o Interventor já está chegando... vou receber sua Excelência...

O velho guerreiro vacila, se inclina, cai, tenta levantar-se, não consegue e... morre!
Este derradeiro diálogo foi me contado pela filha do nosso herói. 


CORONEL HARRISON DE SOUZA FERRAZ

Não menos edificante é a história do Cel. Harrison de Souza Ferraz, o “Paulista de Cabrobó”. Muito jovem, vindo do nordeste, Harrison aportou em terras da Paulicéia, em meio a tiros e canhonaços, em plena Revolução de 1924, chefiada, como já vimos, pelo Gen. Isidoro Dias Lopes do Exército e pelo Maj. Miguel Costa, Fiscal e exímio Cavalariano do nosso Regimento.

Empolgado pela luta, alistou-se nas fileiras da Força Pública, sob o comando do Cel. Pedro Dias de Campos, defensor da legalidade. Foi o primeiro marco da sua caminhada na tropa de Piratininga, que um escritor a descreveu como o Pequeno Exército Paulista.

Após a retirada de São Paulo, as tropas legalistas perseguiram os revoltosos até Foz do Iguaçu, no Paraná, onde também chegou uma pequena Coluna, comandada pelo Cap. Luiz Carlos Prestes, vinda do Rio Grande do Sul.

A perseguição à Coluna Revolucionária, comandada por Miguel Costa (erradamente chamada Coluna Prestes), só terminou em 1927, quando os rebeldes se exilaram na Bolívia.

Em 1930, o Ten. Harrison, comandando um pelotão, participou da Batalha de Itararé, contra as tropas de Getúlio Vargas, que invadiriam São Paulo, a caminho do Catete, mas essa Batalha de Itararé, que seria a maior batalha no Brasil, não aconteceu, é mais um paradoxo da história.

Em 1932, vemos o Ten. Harrison, sob a Bandeira das 13 listras, defendendo o ideal dos Paulistas, nas escarpas da Mantiqueira e da Serra do Mar. Em 1935 defendeu São Paulo na Intentona Comunista de Prestes e em 1938 na Ação Integralista de Plínio Salgado. 

Harrison galgou todos os postos da hierarquia militar por merecimento, e no entremeio de suas atividades castrenses dedicou-se à literatura, publicando mais de uma dezena de livros, enaltecendo sempre o seu idealismo pela Pátria, por São Paulo, a sua terra de adoção e a sua querida Força Pública. Foi membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, da Academia de Letras, Academia de História e tantas outras entidades culturais e, mercê de sua inteligência, cultura geral e profissional, o Governador Carvalho Pinto o nomeou Comandante Geral. O soldado raso de 1924 é agora, em 1960, o Cel. Comandante Geral da Milícia Paulista. Como descrevi sobre o Cel. José Francisco dos Santos, também a história de Harrison, no fim da vida, foi emocionante, edificante, sentimento e emoção! 

Passaram os anos, ele, agora na Reserva, envelhece e fica gravemente enfermo. Seu filho Inhaúma convenceu sua mãe, dona Haidê, a transferir a residência para o Rio de Janeiro, esquecendo que a cidade maravilhosa para o Cel. Harrison era São Paulo. 

Em 1983, fui ao Rio de Janeiro e visitei a família, queria conversar com o coronel, levar a minha homenagem ao grande amigo, ao grande mestre, de quem recebi aulas maravilhosas da nossa história; estava em estado de coma, também delirava, pronunciando sons desconexos, eram os pesadelos, os sonhos dos heróis. Dona Haidê, dedicada esposa, muito triste, contou-me que, nos últimos dias, nos estertores de seus sofrimentos pedia:

- Haidê, me leva pra São Paulo...
- Haidê, me leva pra São Paulo...
- Me leva pra Praça da Sé, Haidê. Me leva pra Praça da Sé Haidê.

Três dias depois, já em São Paulo, recebi um telefonema de dona Haidê – Harrison morreu... fiz uma oração e um pedido de paz para a alma do grande comandante, do grande guerreiro. 


CORONEL HELIODORO TENÓRIO DA ROCHA MARQUES

Durante minha vivência na PM, iniciada em 1939, desde que assentei praça no antigo CIM da Força Pública, até os dias de hoje, neste nosso último Quartel, e lá se vão muitos anos, encontrei gentes de alto quilate, homens de invulgar conduta moral, verdadeiros mestres, exemplos edificantes de inteligência, cultura, honradez, civismo e outras tantas virtudes, que marcaram muito a minha vida.

Já tive o privilégio de nomear muito deles e, hoje estou escrevendo sobre um instrutor de raras qualidades e excelsas virtudes, que, em suas aulas, inflamava a consciência de todos os cadetes com a seguinte expressão:

Os senhores, Militares da nossa Centenária
Corporação, pertencem à classe Nobre da Nação

Essa frase até hoje ecoa em minha mente, e em meu coração, ressoando também nas mentes e corações de todos os que tiveram a honra de ter, o saudoso e nobre Cel. Heliodoro Tenório da Rocha Marques, como condutor de homens, mestre emérito e inconfundível, norteando-nos no sacrossanto dever em defender a Pátria, naqueles tempos envolvida na 2ª. Grande Guerra, contra o nazi-nipo-facismo. 

A biografia do Cel. Heliodoro é exuberante! Naturalidade pernambucana, paulista de coração, brasileiro acima de tudo, nascido em 1904, no município de Pedra. Sem perspectiva em seus pagos, mudou-se para São Paulo, alistando-se como soldado da Força Pública em 1921 com apenas 16 anos de idade.

Galgou todas as promoções de praça, matriculou-se no Curso Especial Militar, sendo declarado Aspirante em 1924.

Participou da Revolução de 1924, sendo promovido a 2º. tenente em julho, a 1º. tenente em novembro desse ano, ambas por ato de bravura. Em agosto de 1925 já ostentava os galões de capitão, aos 21 anos de idade. No ano seguinte, comandando uma Companhia do 2º. BC, o “Dois de Ouro”, lutou no Paraná ao lado das tropas legalistas contra os revolucionários da Coluna Miguel Costa-Prestes.

Em 1930, capitão do 3º. Batalhão de Caçadores, defendeu Itararé, Senjés e Morungava, contra as tropas getulistas comandadas pelo Gen. Miguel Costa. Em 1931 participou da Abrilada, o 1º. protesto contra a Ditadura Vargas, sendo preso com dezenas de oficiais e praças. Como castigo, foram todos transferidos para Delegacias de Polícia do interior.

A Revolução Constitucionalista de 1932 é o ponto alto do seu patriotismo. Sua atuação é febril na luta de São Paulo, defendendo os postulados da Democracia, exigindo a Lei Magna, a Constituição Brasileira. Em abril desse ano é ferido pela explosão de uma bomba, matando o Cel. Júlio Marcondes Salgado, Comandante Geral da Força Pública e seu assistente, o Maj. Marcelino. Na frente sul, comandou o Batalhão “14 de Julho”, composto por jovens universitários, nos duros combates de Buri e Capão Bonito.

Terminada a Revolução foi preso, processado pelo Governo Ditatorial e, quando ouvido a termo, afrontou os seus interrogadores, confirmando sua participação na execução da luta, afirmando que lamentava a derrota de São Paulo e que, se pudesse, faria tudo novamente.

Afastado das fileiras da Força Pública, escreveu um livro de parceria com o Cap. Odilon Aquino de Oliveira, o clássico “São Paulo contra a Ditadura”, obra prima sobre a Revolução, que teve várias edições apreendidas pela polícia política de Getúlio. Os dois oficiais foram reformados administrativamente e só voltaram à ativa com a anistia em maio de 1934.

Em 1938 foi promovido a major e classificado no CIM, como Diretor de Ensino até 1944, transmitindo as várias gerações lições magníficas da carreira militar e cidadania. Em 1945, promovido a tenente coronel, por merecimento, nomeado comandante do 6º. BC em Santos. Dois anos depois voltou ao CIM, comandando as Escolas de Oficiais, Sargentos e Cabos. Em 1953 no posto de coronel assumiu o Cargo de Chefe do Estado Maior da Corporação, passando para a Reserva em 1960.

Passam os anos, os heróis também adoecem, envelhecem e morrem. Seu dedicado filho, o Cel. Paulo Tenório, escudeiro fiel, vigiava sempre os seus passos.

Às vésperas da grande viagem, os pesadelos, que são os sonhos dos bravos, rodeavam o herói agonizando, que balbuciava frases confusas, todas elas girando em torno da sua vivência guerreira, nos campos de Goiás, Mato Grosso, de Itararé, Morungava, Catiguá... as trincheiras de Buri, da Mantiqueira, do Túnel...fechou os olhos aos noventa anos.