Boa leitura!

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

O LUAR DE VILA SÔNIA

A casa de detenção na década de 40 estava situada na Av. Tiradentes, em frente ao primeiro Batalhão, conhecido como o Quartel da Luz e nos dias atuais, a Rota.
Ela conserva ainda da sua antiga estrutura os contornos do portão,  por onde passavam várias gerações de criminosos.
Parede e meia situava-se o velho quartel do Centro de Instrução Militar - CIM,  com a sua escola de oficiais,  alojando o pré militar e o Curso de Oficiais Combatentes - COC eram repetidas as fugas e tentativas dos detentos do presídio e, numa delas,  houve um erro de cálculo,  os fugitivos, no fim do túnel, adentrando à sala dos nossos oficiais e  instrutores.
Desesperados trocaram seus uniformes de presidiários por fardamento dos oficiais. Eram capitães e tenentes, envergando o caqui, com seus bonés, galões e talabartes. Com muita cautela, dirigiram para o portão de saída para o jardim da Luz, recebendo do sentinela o "Apresentar Arma", a continência devida.
Num relance, o sentinela notou que todos estes 'oficiais' estavam descalços, o que motivou o toque do alarme quando toda a guarda militar conseguiu capturá-los escondidos que estavam no jardim da Luz.
O prezado leitor perguntará: O que tem a ver esta fuga com o título acima: O luar de Vila Sônia?
Aconteceu que, ao escoltarmos os fugitivos, recambiando-os para o presidio da Av. Tiradentes, conhecemos o detento Paulo Miranda, famoso cantor de romântica canções,  com o seu disco, O luar de Vila Sônia, grande sucesso na época.
A canção era linda, romântica, melancólica de um amor perdido e a beleza do luar de Vila Sônia.
Essa estória eu contei há algum tempo a oficiais da Academia da Polícia Militar do Barro Branco, sucessora do meu velho e saudoso CIM e o resultado foi a reportagem abaixo, extraída do livro comemorativo do centenário da maravilhosa Escola de Comandantes. 



domingo, 15 de setembro de 2013

O CUPIM PATRIÓTICO

Terminada a 1.ª Grande Guerra Mundial (1914-18), a tecnologia aeronáutica teve um avanço notável, transformando o avião, usado em 1914 apenas como meio de observação, no fim do conflito, numa poderosa arma de guerra. Os Exércitos possuíam, então, a 5.ª Arma, contando seus aviões com grande autonomia de voo e poder de fogo, com suas metralhadoras sincronizadas e bombas.

Toda essa gama de conhecimentos aeronáuticos não podia ficar inerte ou à espera de um novo conflito e foi então que, se incrementaram, na Europa e Estados Unidos, a temporada dos confrontos, as disputas aéreas, dos reides de velocidade e distância, a ligação das capitais dos países, transposição de mares e voos transoceânicos.

A década 1920-30 foi exuberante em competições aéreas, onde surgiram De Pinedo, Gago Coutinho Sacadura Cabral, Lindenberg, Ribeiro de Barros, João Negrão, Del Prete, Saint Exupéry e tantos outros, que inscreveram seus nomes na história.

O Brasil não podia ficar alheio a essas disputas. Já escrevemos sobre a epopeia do Jahú em 1927, no célebre voo de Gênova, na Itália, até às águas da represa Santo Amaro, em São Paulo. Agora vamos relatar o voo do Rio de Janeiro a Buenos Aires, em 1920, realizado pelo aviador Edu Chaves, que tinha sido o 1.º instrutor da Aviação Militar da Força Pública em 1914.

A ligação das capitais Rio de Janeiro - Buenos Aires era o sonho fascinante de muitos aviadores europeus e sul-americanos.

O Comandante Amadeu Saraiva, em seu livro sobre o piloto Edu Chaves nos conta que, quando ele propôs realizá-la, muitos já haviam fracassados, face às grandes dificuldades que esse reide apresentava, tornando-o mais atraente, fazendo maior a glória daquele que conseguisse transpor os 2250 kms que separam as duas capitais. A coincidência foi a chegada da notícia de que um piloto argentino, de nome Hearne, ia efetuar o reide num avião Bristol, de 300 HP, que havia sido posto à sua disposição pelo Exército da vizinha nação.

Edu Chaves preparou então o seu Caudron e aceitou o repto mas não teve sorte, pois sofreu um acidente ao partir de São Paulo para o Rio, ponto de partida para a disputa, tendo que esperar a reparação do avião, afim de tentar novamente.

De todos os lados começaram a chegar apelos para que se pusesse à sua disposição outro avião, afim de lhe dar mais uma chance. Enquanto isso da Argentina chegavam notícias sobre a partida de Hearne, que feriam os brios nacionais e então os apelos se redobraram ao Governo de São Paulo. E quando este resolveu ceder um avião Curtiss de 150 HP, tipo Oriolle, pertencente à Escola de Aviação da Força Pública, pareceu ser demasiado tarde.

No dia 19 de dezembro, o piloto argentino e seu mecânico largaram de Buenos Aires, com destino a Libres, fronteira com o Brasil. Dali, com absoluta regularidade, o Bristol voou a Cacequi, em seguida a Passo Fundo. Brasil e Argentina acompanhavam, ansiosamente, o desenvolvimento do reide.

O destemido aviador platense viajava completamente seguro de si e tudo fazia prever seu próximo triunfo. 

A Argentina exultou, enquanto os brasileiros, olhos postos em Hearne, não perdiam as esperanças e confiavam no piloto brasileiro.

A partida do argentino, de Ponta Grossa com destino a São Paulo, foi no dia 24. Não fazia ele navegação, voava por contato visual, acompanhando a estrada de ferro, a regular altitude e a proeza entrava já na sua fase final. Vinha firme e aproximava-se da capital paulista quando, nas proximidades de Sorocaba, encontrando nevoeiro, resolveu pousar num campo, nos arredores da cidade.

Foi nesse mesmo dia, quando tudo aconselhava a esperar, que o nosso patrício alçou o voo, no campo do Guapira, rumo ao Rio de Janeiro, a fim de dar início à disputa.

No dia seguinte, 25 de dezembro, no mesmo tempo que Edu Chaves iniciava o voo do Rio de Janeiro, em Sorocaba, Hearne movimentava o seu Bristol na direção da capital paulista. Correu pela pista improvisada, ganhava velocidade aos solavancos mas desgovernou-se, batendo de rijo num “cupim patriótico”, capotando espetacularmente.

Edu Chaves recebeu a notícia do acidente quando, em São Paulo, reabastecia o aparelho para prosseguir viagem e, inteirado de que o argentino nada sofreu, compreendeu que a sorte agora estava ao seu lado, sua oportunidade chegara e soube aproveitá-la.

Colocou o Curtiss em posição contra o vento, o aparelho deslizou pela pista, ganhando altura em direção à Argentina.

Uma regularidade e precisão admiráveis dividiram o percurso em 5 etapas, uma por dia:

Dia 25 de dezembro – Rio de Janeiro - São Paulo - partiu às 05h45 e chegou às 08h15.

Dia 26 de dezembro – São Paulo - Guaratuba - partiu às 12h00 e chegou às 14h30. 

Dia 27 de dezembro – Guaratuba - Porto Alegre - partiu às 10h45 e chegou às 15h20.

Dia 28 de dezembro – Porto Alegre - Montevidéo - partiu às 09h45 e chegou às 14h30.

Dia 29 de dezembro – Montevidéo - Buenos Aires - partiu às 10h00 e chegou às 13h00.

Onde descia, Edu Chaves era alvo de extraordinárias manifestações; o país inteiro acompanhava, orgulhoso, as rotações daquele frágil motor de 150 HP, com muito mais ansiedade, talvez, que o próprio piloto.

Nesse dia 29 de dezembro, num pulo sobre o mar Del Plata, o nosso herói chegava a Buenos Aires, completando o reide e sagrando-se vencedor da 1.ª ligação aérea Rio de Janeiro - Buenos Aires, cobrindo o percurso, voando a média de 470 kms por dia, a uma velocidade de 138 kms por hora.

O Brasil todo vibrou com a notícia, foi um delírio. Em consequência desse grande feito, que exaltou a nossa Pátria na América e no mundo, o Presidente do Estado, Dr. Washington Luis, deu-lhe de presente, o Curtiss da Força Pública e mais outro prêmio de 30 contos de réis.

O antigo campo do Guapira hoje, em homenagem ao grande aviador, é o Parque Edu Chaves.