Boa leitura!

domingo, 14 de setembro de 2014

ACADEMIA DA POLICIA MILITAR DO BARRO BRANCO

Linda manhã de 04 de agosto, temperatura amena, céu de brigadeiro, o belo Quartel da Academia da Cantareira engalanado, prestigiando a outorga de medalhas do Centenário da Escola de Oficiais aos veteranos que integraram as diversas Turmas de Aspirantes, a partir de 1944, ano que marcou a primeira do Barro Branco, da qual tivemos a honra de participar.

Éramos 38 Aspirantes, os corações pulsando, entusiasmo pleno, pois a Força Pública tinha sido convocada para a guerra, pairando em nossas mentes a glória de lutar nos campos da Europa contra o nazifascismo, morrendo pela Pátria..., mas a guerra acabou em maio de 45, frustrando os nossos sonhos. 

Setenta anos se foram! A grande maioria de nossos queridos irmãos já passaram o Portal da Eternidade e habitam as galáxias dos céus. Délio de Barros Veloso, Hugo de Castro Viana, Amaro Pereira e eu, somos o que restou dos Aspirantes de 1944.

Com a alma dolorida ressaltamos 3 companheiros que morreram tragicamente:

                                    - Benedito Neto, paulista de São Simão, que numa ocorrência caiu fulminado com uma bala no crânio;
                                 - Waldir Alves de Siqueira, capixaba de Cachoeiro de Itapemirim, morto covardemente por um bandido, cinco tiros à queima roupa; e
                                 - José da Silva Bueno, paulistano da Pompeia, pescador de alto mar, desapareceu do barco. O que teria acontecido?  Um ET o teria abduzido? Teria caído ao mar e devorado por tubarões? As correntes marítimas teriam levado Bueno para longe, talvez para a África? Ou uma sereia apaixonada o teria raptado, carregando-o para as profundezas dos mares...

Gratificante para todos nós foi o reencontro com velhos amigos, aspirantes de turmas posteriores! A presença do Cel. Pedro Resende, aspirante de 1970, dentre os muitos méritos na carreira, ressalta ser o fundador da ROCAM. Ele encheu meu coração e alma de orgulho e alegria!

Finda a cerimônia Pedro Resende e eu fizemos uma andança da saudade: percorremos os campos de Hipismo, Tiro, Esportes, os Alojamentos, as Salas de aula, o Laboratório, o Rancho, os pátios de memoráveis desfiles. Por muitos minutos quedamos silenciosos com o pensamento vago... lembranças, saudades, nostalgia.

Lembramos de um poema de Luís Guimarães Jr:


VISITA À CASA PATERNA

Como a ave que volta ao ninho antigo,
Depois de um longo e tenebroso inverno,
Eu quis também rever o lar paterno,
O meu primeiro e virginal abrigo.

Entrei. Um gênio carinhoso e amigo,
O fantasma, talvez, do amor materno,
Tomou-me as mãos - olhou-me grave e terno,
E, passo a passo, caminhou comigo.

Era esta sala...(Oh! se me lembro! e quanto!)
Em que, da luz noturna à claridade,
Minhas irmãs e minha Mãe... O pranto

Jorrou-me em ondas... Resistir quem há de?
- Uma ilusão gemia em cada canto,
Chorava em cada canto uma saudade...



Comovidamente quero terminar estes meus escritos homenageando um velho coronel que por mais de dez anos comandou o CIM:

CORONEL JOSÉ FRANCISCO DOS SANTOS

Comandou o Centro de Instrução Militar (CIM) por vários anos, na época Getuliana dos Interventores Federais nos Estados. Era obrigatória a presença do Interventor na festa do Espadim (24/5) e na festa da Espada, no dia 15/12, tradição que continua até hoje. Os Interventores mudavam, mas o Cel. José Francisco dos Santos não, sempre firme no comando.

Por 10 anos, ou mais, ele discursava, saudando o Interventor e os Cadetes em maio e o Interventor e os Aspirantes em dezembro. Pragmático, os seus discursos eram um caminho a seguir, continham ótimos conselhos e exemplos dignificantes. Mas... os anos se passaram e o Cel. José Francisco dos Santos, contra a sua vontade, foi passado para a Reserva. Retirou-se da sua querida Força Pública e do seu amado CIM, na época, já localizado no Barro Branco. Mais e mais anos  decorreram, os seus cabelos branquearam, suas pernas enfraqueceram e sua mente era povoada de sonhos e saudades.

Aos 85 anos adoeceu, baixou ao hospital várias vezes, mas há sempre uma última vez. Na véspera da sua morte, na Cruz Azul, delirou, e é certo que seu pensamento vagou pelas epopéias de 22, de 24, de 30 na Batalha de Itararé, no Túnel da Mantiqueira em 32.

Quantas visões e sons desconexos, pela madrugada afora, em sua mente agonizante! No pesadelo ou sonho dos heróis, também teria voado para os campos do Paraná, na Foz do Iguaçu, com os Legalistas de São Paulo, defendendo a União, contra os revoltosos de Isidoro Dias Lopes, de Miguel Costa e de Luiz Carlos Prestes. No seu delírio, continuou o voo pelas terras de Mato Grosso, Goiás, todo o nordeste até Minas Gerais. De Minas, a Coluna retornou quase que pelo mesmo roteiro da ida e se exilou na Bolívia em 1927, acossada pelos homens da lei.

De inopino, já de madrugada,  assim me contou sua filha, ele se levanta, assume a postura espartana e pede o seu fardamento e o boné. Atônita e preocupada, ela improvisa, entregando-lhe um pijama, à guisa de farda e um chapéu substituindo o quepe. O velho soldado se veste, põe o "boné”, empertiga-se todo e se perfila:

-       Estou bem minha filha? O meu uniforme está correto?
-       Sim papai.
-  Hoje, 24 de maio, o Interventor já está chegando... vou receber sua Excelência...
-   O velho guerreiro vacila, se inclina, cai, tenta levantar-se, não consegue e... morre!