Lá pelos anos de 1964, o Major Comandante Interino de um Batalhão do interior, ao examinar a pasta recheada de documentos para despacho, deparou com um processo de aposentadoria, ou melhor, de reforma, de um Cabo, que servira àquela OPM (Unidade Administrativa era o termo da época) por mais de 20 anos.
Como de praxe, reuniram-se, no Gabinete do Comando, meia hora antes do término do expediente da tarde, além do Comandante da Companhia, o então Cap. Spanó, de saudosa memória, Oficiais e Praças da Sub-Unidade, para a homenagem a um servidor de comportamento exemplar, que havia prestado relevantes serviços às comunidades em que servira.
Minutos antes, porém, examinando o processo de reforma, fixei meu olhar na fotografia do homenageado, achando-a familiar, com aquele toque de “esse cara eu conheço”. Não tive dúvidas, quando vi que o seu R.E. era próximo ao meu e neste instante a minha ficha caiu (o leitor amigo já descobriu que o Major Comandante era eu).
É o Chaguinhas, falei comigo mesmo, recruta como eu, companheiro lotado na 3ª. Cia do Batalhão Escola Misto, adido ao Quartel de Sorocaba, nos idos de 1939, a Europa já envolvida na 2ª. Grande Guerra Mundial (1939-45).
Éramos jovens sonhadores, abraçando a carreira na então Força Pública, empenhada no preparo de bons policiais para a segurança do Estado, preocupada também no preparo militar, obedecendo a orientação do Comandante Geral, Coronel do Exército e da Diretoria de Ensino, também composta de instrutores verde-oliva e a instrução era brava.
Dezesseis horas e trinta minutos, eis que chega o grande momento da despedida, todos perfilados, Chaguinhas na posição rígida. O Sargento amanuense leu os pontos principais de seu assentamento (para o Oficial era Fé de Ofício), o Cap. Spanó proferiu belas palavras destacando passagens significativas e elogiosas de seu subordinado.
Eu deveria falar por último, como recomenda a etiqueta, mas antecipei às palavras de Chaguinhas. Vou tentar reproduzir a minha fala:
Meus amigos, quero render minhas homenagens
ao meu colega Chaguinhas, recruta como eu na Cia. comandada pelo Cap. Lameirão
em Sorocaba, durante todo o ano de 1939.
Chaguinhas você era admirado por
todos nós, pela sua alegria de viver, pela sua lealdade, espontaneidade,
inteligência viva, contador de estórias e piadas, tiradas repentistas e tantas outras qualidades...
E fui falando, falando, embalado
pela inspiração e saudade e num certo momento de minha saudação, lembrei-me de
uma passagem que me marcou muito: 10 recrutas, inclusive Chaguinhas e eu,
tivemos nossos capotes roubados e as nossa malas arrombadas. Fomos à presença
de nosso comandante da Cia., que, nos recebeu bondosamente e relatamos a triste
ocorrência. O Cap. Lameirão era muito religioso, portava na ocasião um rosário
em suas mãos, tendo à frente um altar com várias imagens de santos. Confessou
que custava a acreditar no relatado por nós, adiantando que poderia ser uma brincadeira
de mau gosto e que logo os capotes apareceriam. Adiantou também que considerava
todos os recrutas muito bonzinhos...
De imediato, Chaguinhas aparteou e
falou com firmeza: Sr. Capitão, aqui todos os recrutas são bonzinhos, mas o meu capote SUMIU!
Abreviei o meu discurso, resolvi parar, porque senti intensa emoção em Chaguinhas, os seus olhos marejados de lágrimas; ficou mudo, não conseguiu articular nenhuma palavra, fui ao seu encontro e num abraço saudoso de velhos companheiros, nossas túnicas se orvalharam.
Nunca mais tive notícias do Cb. Chagas. Não sei se ele ainda pertence à nave Terra ou se habita uma longínqua galáxia.
Minha intenção é terminar esta crônica, tentando indexá-la àquela frase incisiva de Chaguinhas, como a firmeza na verdade do Sânscrito SATIAGRAHA, fulcro da pregação de Mahatma Gandhi, operação meritória da Polícia Federal contra a máfia dos colarinhos brancos, os intocáveis.
Antes dessa ação, outras máfias também foram desmascaradas pela Polícia Federal, como a do Mensalão, dos Correios, do Banestado, dos Aloprados do Presidente, escândalos e roubos por toda a parte e, infelizmente, a morosidade dos Magistrados, que não arrematam, não condenam e acabam arquivando a firmeza na verdade.
Os jornais estampam uma declaração estranha de um corrupto intocável, que nas Instâncias Superiores do Judiciário, ele teria mais facilidade de ser absolvido, do que num juizado de 1ª. Instância.
A história nos conta que até 1930, na Republica Velha, havia muita corrupção eleitoral, até mortos votavam, mas havia moral, os homens, os políticos eram honestos.