Boa leitura!

quarta-feira, 15 de abril de 2015

AS NEVES DO KILIMANJARO

Kilimanjaro é a maior montanha
da África, com 7.000 de altura,
situada na Tanzânia, 
a leste do Continente


Na deposição de Jango Goulart, em 1964, eu estava no Comando Interino do 3º BC, na bela cidade de Ribeirão Preto. O dia 31 de março foi de alegria geral, as Forças Armadas elogiadas pela família brasileira, pois elas tinham vencido o mal, frustrando as intenções do Presidente Jango, que era jogar o Brasil para o regime de esquerda, avesso à índole das nossas gentes.

A ação heroica dos militares e do povo foi batizada como A Revolução Redentora de 31 de março, data comemorada por muitos anos em solenidades cívicas e militares mas infelizmente foi proibida, se não me engano, pelo Presidente Lula.

Deixemos a história de lado e falemos das Neves do Kilimanjaro, o tema destes escritos.

Residente em Campinas, pouca oportunidade tinha para a família, dado às contínuas prontidões, devidas àquele período turbulento de nossa Pátria (façamos justiça a Jango pois, com a sua fuga para o Uruguai, ele teria evitado uma possível guerra civil entre irmãos).

Num fim de semana, o país já pacificado, o General CastelLo Branco timoneiro da Nação, estava eu na Terra das Andorinhas, no feliz convívio com meus queridos, quando meu filho Pedrinho, de 15 anos, falou-me das Neves do Kilimanjaro, famoso filme que estava passando em um dos cinemas da cidade. Fomos assisti-lo.

Aconteceu que a Casa de Espetáculos estava lotada, todos os lugares ocupados. Vagamos pelo salão todo e nada, nada de assentos vagos. Foi quando divisei, o filme já em andamento, duas cadeiras revestidas de pano branco com a inscrição “Polícia”.

Raciocinei ... sou Major da Força Pública, minha Corporação policiando todo o Estado, então não titubiei, sentamos naquelas alvas e macias poltronas.

Não demorou muito, um lanterninha apareceu solicitando a nossa saída. Expliquei-lhe as minhas razões.

Depois de 10 minutos, um guarda civil se aproximou e, delicadamente, pediu-nos que deixássemos os lugares; mostrei-lhe minha identidade e ele, saudando-me militarmente, se retirou.

Algum tempo depois aproximou-se, arrogante, o gerente do cinema, intimando-nos deixar o local, com a ameaça de chamar a Polícia. Repliquei veementemente! 

As Neves continuavam a deslizar no telão e nós, meu filho e eu, nada de entendermos o que era aquele Kilimanjaro, preocupados com este novo filme em que éramos atores.

Meia hora de calma, eis que as luzes se acenderam, a rodada do filme parou e adentraram ao salão o Delegado, o gerente e um pelotão de Choque do 8.º Batalhão.

O Comandante Tenente Sendim me reconheceu, filho que era do Coronel Miguel Melchiades Sendim, querido colega da Turma de Aspirantes de 1944, a primeira a se formar no Barro Branco.

Uma voz de comando ecoou no salão... Pelotão Sentido! O Tenente Sendim, em seguida apresentou-se, obediente ao nosso regime castrense.

Depois dos cumprimentos, esclareci as razões do meu procedimentos ao Delegado que, dirigindo-se ao gerente do cinema, censurou-o por ter autorizado a venda de mais bilhetes do que os assentos e, entonando sua voz esclareceu que, em situações idênticas, emergenciais, as poltronas brancas poderiam ser usadas pelos dignos Oficiais da Milícia Paulista. O gerente sumiu de cena.

A convite da autoridade policial, saímos para o cafezinho campineiro, a plateia toda, atônita e curiosa, nos acompanhando. O Pelotão formado à frente do cinema, o Tenente Sendim novamente me saudou militarmente com a voz firme de comando: Pelotão Sentido!...

Finalizando, quero explicar aos queridos leitores o porquê desta narração ocorrida há mais de 50 anos.

Convidado pelo Diretor de Ensino da Academia de Polícia Militar do Barro Branco proferi, em começo de março próximo passado, uma palestra sobre a Aviação Militar da Força Pública (1913-1932) para os cadetes do primeiro ano daquela notável Casa de Ensino. Terminada a palestra, muitos deles solicitaram permissão para uma foto com o velho mestre. Senti-me feliz, orgulhoso com aquela demonstração de carinho dos jovens de hoje, futuros comandantes do amanhã da nossa querida Polícia Militar.

Um deles era o cadete Sendim, neto do Coronel Miguel Melchiades Sendim pai daquele Tenente que me salvou da “guerra”do Kilimanjaro em Campinas.

Confesso que já tive oportunidade, várias vezes, de assistir a esse filme famoso, mas tenho medo do reencontro com o humilde lanterninha, o disciplinado guarda civil, o simpático delegado e o arrogante gerente...