Boa leitura!

terça-feira, 9 de junho de 2015

CURIOSIDADES


A Saudade

(Crônica de Guilherme de Almeida escrita a bordo do Navio “Siqueira Campos” que levava os exilados para Portugal)


Não há mulheres a bordo? Há! Viaja conosco uma passageira clandestina, de volta a Portugal, seu país de origem. Vive toda e sempre escondida. Nem a oficialidade, nem o pessoal de bordo, nem os agentes de polícia que nos espiam, nem a escolta que nos inveja – ninguém, ninguém notou ainda a sua presença entre nós, na prisão flutuante.

E, no entanto, ela está por toda a parte. E ela divide, a clandestinidade, por todos nós, o seu carinho santo, com a piedade generosa de um irmã de caridade. Vai, de cabine em cabine, de mesa em mesa, de pensamento em pensamento. Senta-se no beliche, maternalmente, à cabeceira daquele que a insônia atormenta, e repete o gesto antigo que cobriu como numa asa, o nosso berço; apoia-se como uma cruz suavíssima, ao ombro daquele que, sentado num rolo de cordas da popa, finge olhar o crepúsculo exangue; debruça-se sobre o que escreve ou o que lê, e conduz a mão sobre o papel, ou volta às páginas do livro.

Quando ela veio de Portugal, era loira e leve: parecia a “velida” de D. Diniz, a “bem talhada”, a “delgada”, a “muito alongada da gente”, bailando “solo verde ramo florido...mas aqui, nos trópicos americanos, queimou-se de sol e amolentou-se no balanço das redes e das palmas.

E eis, agora, regressa mais lânguida e mais humana à sua pátria...

Viaja conosco uma passageira clandestina de volta a Portugal, seu país de origem. Ela é a Saudade!



Sete de Setembro

Dia da Independência
“Adversários, mas não inimigos”


Às sete horas de uma fulva manhã, estava todo o nosso QG nos esporões do Morro do Canhão. A Bandeira Brasileira foi hasteada no centro e no ponto mais alto das linhas. Um pelotão de combatentes subiu em cima das trincheiras na posição mais exposta ao fogo inimigo. Ao lado, formaram, em continência, todos os oficiais do comando.

O inimigo emudeceu como uma onça magnetizada por um foco de luz. Depois, atônito, impulsionado por uma por uma ordem irresistível, se pôs também de pé, no alto de suas posições, ao longe.

Enquanto isso a bandeira subia e os clarins cantavam.

Os seis quilômetros que podíamos ver de nossas linhas alçaram-se nas cristas e uma ordem geral que ninguém deu, mas todos ouviram e obedeceram. As trincheira ficaram de pé, ao sol!

E a Mantiqueira viu dois exércitos adversários interromperem a batalha e a prestar continência à mesma Bandeira que só um deles desfraldou. O Pavilhão chegou ao alto, tremulando. Os clarins pararam. O Capitão Saldanha deu a voz de descansar armas, mas o inimigo, voltado a si, quis comemorara liberdade a seu modo. Uma rajada grunhiu ao longe e assoviou sobre o nosso grupo, ainda no alto das trincheiras.