Com a morte trágica do Coronel Júlio
Marcondes Salgado, a 23 de julho de 1932, a Força Pública teve novo Comandante
Geral, o Coronel Herculano de Carvalho e Silva, que até àquela data comandava o
2.º Batalhão, em duros combates, no Túnel da Mantiqueira, divisa com o Estado
de Minas Gerais.
Décadas após à epopeia bandeirante, fieis admiradores do grande
comandante conseguiram a provação do comandante geral, como resgate de uma
injustiça batizar o Batalhão que comandou de 2.º BPM/M CORONEL HERCULANO DE
CARVALHO E SILVA.
Do Livro “Clarinadas da Tabatinguera”, extraímos o seguinte:
CORONEL HERCULANO DE CARVALHO E SILVA
Em fins de setembro de 1932,
quando a derrota das armas constitucionalistas era iminente, o Cel. Herculano
de Carvalho e Silva, Comandante Geral da Força Pública, sentindo a luta
desigual, cruel e fratricida, reuniu-se em Campinas, acompanhado da alta
oficialidade e com o Cel. Alexandrino Gaia, do Exército, e dessa reunião foi
lavrada a seguinte Ata: “Aos vinte e sete dias do mês de setembro de mil
novecentos e trinta e dois, às nove e meia horas, numa das salas do Posto de
Comando do Destacamento, em Campinas, situada em prédio do ex Campinas Hotel, convocado
pelo Cel. Herculano de Carvalho e Silva, compareceram os seguintes oficiais:
Céis. Herculano de Carvalho, Eduardo Lejeune e Alexandre Gama, Ten. Céis.
Alexandrino Gaia, Francisco Julio César Alfieri, Patrício Batista da Luz, Luiz
de Faria e Souza, Virgílio Ribeiro dos Santos, Romão Gomes e Mário Rangel e
Maj. José da Silva.
O Cel. Herculano de Carvalho e Silva, fazendo o uso da palavra,
apresentou o Ten. Cel. Alexandrino Gaia, distinto e valoroso oficial do
Exército Brasileiro, comandante de um dos setores do Vale do Paraíba, para
expor a situação militar daquela frente e a sua projeção sobre os demais
setores da luta. O referido oficial demonstrou a evidência que vários fatores,
de ordem moral e material, tornavam insustentável a manutenção das posições e a
continuação da guerra no Vale do Paraíba, sendo inevitável o recuo progressivo
dos elementos que ali combatem desde o início das hostilidades. Assim pensaram
todos os oficiais que com ele cooperam, do Exército e da Força Pública,
unânimes em reconhecer o sacrifício imenso a que seriam expostos os habitantes
das cidades e vilas sujeitas aos horrores da luta. A continuação da resistência
corresponderia à destruição completa da próspera e rica região ocupada pelas
tropas. A única solução que via para esse complexo problema era a proposta de
um armistício para a cessação da luta.
E, no momento, dada ainda a situação da relativa consistência dos nossos
elementos, poderíamos negociar um acordo em que ficassem ressalvados dois
pontos importantíssimos para o bom nome e prestígio dos que se achavam à testa
do movimento: a dignidade militar e a garantia dos interesses múltiplos de
ordem militar política e econômica do
Estado e da nação. O Cel. Herculano passou a ler, a seguir, as cartas de apoio
a essa iniciativa que acabava de receber dos seguintes comandantes de tropa da
Força Pública, que operavam naquela região: Ten. Céis. Octavianos Gonçalves de
Silveira, Theóphilo Ramos e Antônio Inojosa, e Maj. Benedicto Ferreira de
Souza. Assim inteirados da exata situação daquele setor, fizeram uso da palavra
diversos comandantes, acordando todos, sem uma única exceção, que o que se
passava no Vale do Paraíba não era um fenômeno local e sim geral, pois nos
demais setores a contingência era a mesma, resolvendo que diante da
impossibilidade da vitória pelas armas, era um dever de patriotismo cessar
imediatamente a luta para evitar novos e pesados sacrifícios ao Estado e ao
País, deliberando:
1º.) Ficava o Cel. Herculano de
Carvalho e Silva, apoiado pelas forças do Exército e da Força Pública, indicado
para entrar em um entendimento imediato com as autoridades militares e civis,
estaduais e federais, para a suspensão da luta;
2º.) No caso de encontrar
resistência por parte de qualquer desses elementos, ficava igualmente
autorizado a agir como supremo representantes das forças em armas, concertando
com o adversário o acordo almejado;
3º.) Que fossem cientificados
dessa deliberação os camaradas do setor sul;
4º.) Que as providências necessárias para o início das negociações
tivessem execução imediata. Para constar, foi lavrada a presente ata, que,
depois de lida e achada conforme, vai por todos assinada, ficando o original em
poder do Cel. Herculano de Carvalho e Silva e uma cópia devidamente
autenticada, no arquivo do comando do destacamento.
Com esse gesto, o Cel. Herculano
carreou para o seu nome a pecha de traidor e muita literatura houve,
responsabilizando a Força Publica e seu chefe pela derrota de São Paulo.
Em seu volumoso livro: “A Revolução Constitucionalista”, ele começa
assim:
Nunca
imaginávamos viéssemos a publicar um livro e, muito menos versar a matéria tão
delicada que nos traz recordações tão dolorosas. Quando, no início da campanha
constitucionalista, indiferentes a sorte que nos aguardava, recebemos ordens de
seguir e partimos a frente de nossa tropa; e, mais tarde, já assoberbados pela
luta, deixamos aquele Túnel impiedoso e voraz, para assumir o comando da Força
Pública de São Paulo e daqui rumamos para Campinas – nunca nos passou pela
ideia nos víssemos, com o correr do tempo, na contingência de vir a público,
para defender-nos de um crime que não praticamos.
Já não
bastavam ao mísero soldado os horrores da guerra, com todo o seu cortejo de
privações e de misérias; de riscos e ciladas; no desconforto das trincheiras;
as saudades do lar distante; da efígie adorada de um filho, da esposa
estremecida. E, com uma guerra se decidir-se por si mesma, com a vitória do
mais bem aprestado em armas e munições, culpe-se alguém do desastrado desfecho.
Invente-se um traidor. Procure-se um Judas.
Quando, já
na boca do povo o revoltante epíteto, tentamos restabelecer a verdade dos fatos
com “As razões de minha atitude”, pessoas, que nunca supusemos capazes de
semelhante vilania, asseguravam que deturpamos os acontecimentos, exageramos as
ocorrências, fantasiamos impossíveis, tudo com o fito de provocar a confusão e
encobrir a verdade.
Assim –
propalavam – deslavada mentira foi o que dissemos a propósito de armamento e
munição; apócrifa a assinatura do Ten. Cel. Romão Gomes na ata lavrada em
Campinas; calúnia assegurarmos que esse mesmo oficial propugnara pela imediata
cessação da luta; em suma, impossível São Paulo confessar-se vencido, a não ser
por traição. E traição houve – concluíram – porque o próprio General Comandante
das Tropas Constitucionalistas tornara público que São Paulo ia render-se.
Restava
descobrir o traidor. Era necessário, era inelutável que alguém, mau grado seu,
assumisse inteira responsabilidade do desastre militar, e pagasse, ele só, o
mal que os outros praticaram. Numa palavra: fazia-se mister um Judas.
A hedionda
figura de Calabar não se prestava para o símile, porque a sua traição
consultara o prêmio de três galões: a de Joaquim Silvério dos Reis também não
vinha ao caso, porque consistira em delatar conspiradores e só visava a
honrarias. Perfeita era a de Judas: por 30 dinheiros traíra o seu Benfeitor. O
Judas da causa de São Paulo satisfizera-se com pouco; outros, que com onze mil
contos...
O primeiro
apontado como traidor foi o Gen. Klinger, por deliberadamente ter tomado a
iniciativa do armistício. Todavia, como nos coube consumá-lo, da sua cabeça
foram desviados os apodos, as injúrias, os baldões, e fomos apontados, ao
comentário público, como o traidor. Em pouco, propalou-se a nova, a sensacional
nova de que fora estigmatizado o verdadeiro traidor da sacrossanta causa. E o
povo – miseravelmente iludido durante quase três meses; o povo que mais se
sacrificara na campanha constitucionalista e mais se apaixonara pela causa; o
povo, obcecado pela ideia de traição, esposou-a. E passou um julgado que
fôramos, de fato, traidor.
A tamanha
calúnia, a insinuação malévola e propositada, serenamente respondemos com nosso
“Manifesto”, em que fizemos timbre em não “acusar a quem quer que seja”. Não
nos deram crédito e imputaram-nos falsos os poucos documentos que nele
apareceram.
Venham
outros, pois, os documentos originais para substituir as cópias; os
“fac-similes” mais convincentes; aduzam-se outras provas para restabelecer a
verdade dos fatos, adulterada, não por nós, mas por aqueles a quem era
prejudicial; confundam-se os embusteiros, que nada fizeram pela campanha,
indiferentes à sorte das armas, e que agora só imaginam como castigar o
traidor; apontem-se à opinião pública os nomes daqueles que, useiros e vezeiros
em torcê-la a seu talante, açularam o ódio popular contra a Força Pública de
São Paulo.
Defendemo-nos,
defendendo-a. Estamos nessa obrigação, assiste-nos esse direito. Já que ninguém
se levantou por nós, dentre os que, de perto, aqui conosco, dia por dia,
seguiam a marcha dos acontecimentos, levantemos nós mesmos. Façamos a nossa
própria defesa. Revidemos o insulto que nos atiraram.
E, quando
a História, amanhã, reviver essa magnífica epopéia bandeirante, este mesmo povo
há de convir que nunca, nunca desde quando criada, mais esteve a Força Pública
ao seu lado do que nesta ocasião.
São Paulo,
novembro de 1932.
Cel.
Herculano C. e Silva.
Revendo
a revista MILITIA, editada em 1949, deparamos com um artigo do saudoso Cel.
Luis Tenório de Brito, sendo oportuno reproduzirmos uma parte:
Quando, a
3 de outubro, cheguei a São Paulo, a cidade como que despertava de importuno
pesadelo. Mantida a população durante três meses sob atmosfera artificial, que
a imprensa e rádio alimentavam e as circunstâncias justificavam, o desfecho
negativo da Revolução trouxe-a bruscamente à realidade. E há então o que
invariavelmente ocorre em tais ocasiões: a procura de um responsável. Com as
faculdades de exame e de raciocínio paralisadas, as causas remotas e
determinantes do fracasso ficam no olvido, relegadas à posteridade que as
estudará devidamente, distribuindo responsabilidades que o presente não pode
fazer. Mas, aí será tarde demais para a curiosidade do momento. É da história.
Coube, entre nós, ao Cel. Herculano de Carvalho e Silva, comandante geral da
Força Pública o ingrato designo, como alhures tem acontecido em circunstâncias
idênticas a conspícuas personalidades, ser apontado como o causador da derrota.
O futuro,
porém, na “voz da história” absolverá esse valoroso chefe das injustas
imprecações que lhe atirou desordenada paixão...
Está aí, caro leitor, lançada a ideia do ressarcimento do bravo
Comandante Herculano Carvalho e Silva, o legalista de 22, 24 e 30, o herói da
memorável Batalha do Túnel, na Mantiqueira, em julho de 1932. Comandou os
bravos entre os bravos, auxiliado pelos destemidos Octaviano Gonçalves da
Silveira, João Máximo de Carvalho, Benedito Ferreira de Souza, Agostino de
Moura Uchoa (morto em combate) e outros brilhantes oficiais do legendário 2º.
Batalhão de Caçadores, o “Dois de Ouro”, como era conhecido desde as duras
campanhas de 1893-94, no Paraná, sustentadas contra os federalistas de
Gumercindo Saraiva.
Achamos que os ânimos já serenaram e a História verdadeira haverá de ser
feita em torno de um injustiçado, e para essa nobre finalidade convidamos os
homens de bem de São Paulo e do Brasil.
Estivemos no dia 1.º de outubro pp na Assembleia Legislativa, quando o
Exmo Sr. Deputado Federal Marco Maia, Presidente da Câmara de Deputados
Federais, em Brasília, recebeu a medalha comemorativa da Revolução
Constitucionalista de 1932. A gratidão da nossa Assembléia Legislativa foi o
fato dele presidir o Espaço Cultural da Câmara Federal, fazendo expor e prestigiando
a amostra de relíquias relativas à epopeia paulista. Em seu discurso de
agradecimento relembrou o quanto a Democracia Brasileira foi ofendida, no
período getulista que, em 1930 e em 1937 fechou o Congresso Nacional, as Assembleias
Legislativas dos Estados e a Câmara de Vereadores dos Municípios.