Em 1955, substituindo o prof. Lucas Nogueira Garcês, assumiu o governo de São Paulo, o Dr.
Jânio da Silva Quadros, ficando no poder até setembro de 57, quando se desincompatibilizou, para concorrer às eleições
a Presidente da República (1959-1963).
Sua carreira política foi rápida: vereador em 1947, em janeiro de 1961
já tinha assento à Curul Presidencial,
na nova capital federal - Brasília, inaugurada um ano antes pelo grande
presidente Juscelino Kubitschek.
Fixemos Jânio Quadros em 1955, entronizado no Palácio dos Campos Elíseos.
Ele personificava a esperança do povo bandeirante, acreditando que a vassoura
(peça principal de sua campanha), iria varrer todos os corruptos do Estado. Ela
era exaltada em todos os comícios de rua, nas rádios e televisões, a figura de
Jânio empunhando-a num gesto teatral, cantando com o povo enlouquecido
"varre, varre vassourinha"...., canção cunhada em milhares e milhares de discos. Jânio era então o gênio do
populismo.
Nos trinta meses que governou São Paulo, ele destilou todo ódio à Força Pública,
diminuindo ou cortando nossas verbas orçamentárias, sofrendo a Cavalaria sem
milho e alfafa para os animais, a farmácia sem medicamentos, o Hospital Militar
carente de meios para cuidar da saúde dos nossos homens.
Nesse estado de coisas brotou, nas mentes e nos corações dos tenentes da
época, uma ideia revolucionária para o desagravo; a ordem era depor dos Campos Elíseos,
aquele governador rancoroso, autoritário, que ofendia a honra da tropa de
Tobias de Aguiar.
Inspiramo-nos, então, no Tenentismo de Cabanas e Miguel Costa, este
monstro sagrado da nossa história, que assombrou a nação, comandando a maior
marcha militar do planeta.
O que
teria acontecido para tanto ódio à nossa Corporação? Sem dúvida os nossos
milicianos dos batalhões de Choque, patrulhas de área ou lanceiros a
galope, teriam a agido às vezes com
energia, para a manutenção da ordem, nas manifestações excessivas ou
desordeiras de seus apaixonados seguidores. E foram muitos os conflitos!
“Navegar era preciso”, combater Jânio Quadros
também era. Começamos as reuniões secretas, realizadas à noite em dois pontos
estratégicos: o primeiro no Hospital Militar da Rua Jorge Miranda e outro no Quartel
General em construção na Praça Fernando Prestes.
As ordens de reuniões eram enviadas para mais
de 200 tenentes, mas a decepção vinha no dia seguinte, quando poucos compareciam,
a maioria nos decepcionava. Perguntávamos então a todos os faltosos a
razão do não comparecimento e a resposta vinha sempre atrapalhada, demonstrando
certa covardia, pois eles teriam comparecido no QG novo quando a ordem era no
QG velho ou no hospital velho quando a ordem era no hospital novo.
De tanta demora, delongas, Jânio havia interrompido seu governo,
candidato a presidente da República, fato assinalado acima. Seu substituto foi
o prof. Carlos Alberto Alves de Carvalho Pinto que pagou o pato, e a
revolta estourou em suas mãos.
Depois de ordens e contra ordens chegou o dia
fatal, ou melhor, a noite fatal, agora contra Carvalho Pinto, que também
continuou com as mesmas negativas de Jânio. A ordem aos tenentes, agora por
escrito, determinava a data, local e a
hora para o início de nossa luta, que começaria às 20h no hospital militar
velho. O novo estava sendo construído no Barro Branco.
Éramos
então duas centenas de combatentes, desfraldando a Bandeira do Tenentismo, no
pátio que hoje pertence a quatro Entidades, a Capelania Militar, o CAES , o
Museu Militar e o Serviço de Subsistência.
Nessa memorável noite, eu me lembro bem, o
Tenente Melo atrasou-se, pois o bonde Vila Mariana-Ponte Grande (que saudades
dos bondes de outrora!...) demorou muito.
Em chegando ao pátio do hospital velho, espantado, ouviu um
grito aterrador:
"PASSO O COMANDO DA TROPA AO TENENTE MELO"
O susto foi enorme, aumentado geometricamente, quando
o tenente, que não me lembro o nome, numa posição espartana, o assustou ainda
mais, com a seguinte advertência:
Melo perdeu o chão e observou que o Estado Maior
já tinha 3 chefes, naturalmente a tropa já havia tido três comandantes. Lívido, a pressão alta, o coração a duzentos por
hora, perguntou a si mesmo: E agora, o
que é que eu faço?
Seu
antecessor o torturava de minuto a minuto, com a voz tonitruante, aumentando sua
aflição, com a mesma advertência:
MELO VAMOS, VAMOS, VAMOS! EU IA
PARTIR COM A TROPA PARA O ASSALTO AO QG E DEPOIS AO
PALÁCIO MAS...
O tempo
ia passando e ele não teve outra alternativa, não teve dúvidas, respirou fundo
e assumiu o comando da tropa. O Chefe do Estado Maior, sádico, não lhe dava trégua, repetindo sempre aquela
frase aterradora: Melo vamos, vamos,
vamos...
Entrementes, com a carcaça tremendo, ele procurava alguém, os olhos
atentos vasculhando o território todo, na esperança de vislumbrar qualquer alma
penada mas que fosse mais antiga que ele ou seu superior; os segundos pareciam
uma eternidade e ele, ansiado,
transpirando, com vontade de ir ao
banheiro mas eis que um milagre aconteceu!!! Ele exultou, levitou, flutuando
entre as nuvens, parecendo ter ganho a sorte grande da loteria federal. É que divisou, na penumbra da noite,
um vulto com três galões nos ombros, era o capitão X. Reuniu então todas as
forças possíveis, físicas, morais e espirituais e berrou, urrou como uma fera:
PASSO O COMANDO DA TROPA AO
EXMO SR. CAPITÃO X, BRILHANTE OFICIAL DA NOSSA
QUERIDA FORÇA PÚBLICA.
Com esse urro, a cavalhada do Regimento fez um tropel
nas baias, arrebentando as correntes; os passarinhos, empoleirados nas
árvores, saíram todos em revoada,
procurando outros ninhos em verdes motéis e os doentes do hospital pegaram seus
rosários, beijaram o Cristo, certos do fim do mundo.
Melo então se vingou, transferindo
ao capitão aquelas advertências diabólicas daquele malvado Tenente, seu antecessor:
SENHOR CAPITÃO, VAMOS, VAMOS , VAMOS. EU
IA PARTIR COM A TROPA PARA O ASSALTO AO QUARTEL GENERAL E DEPOIS AO PALÁCIO MAS
O SENHOR CHEGOU, O SENHOR É MEU SUPERIOR, O COMANDO É DE V.SA. EU ASSUMO O ESTADO MAIOR.
Os relógios marcavam 22:00
horas! O capitão, pálido e vacilante,
perscrutava os horizontes, e nada, nada
e o Tenente Melo, com aquelas cutucadas, aquelas advertências: Senhor capitão
vamos, vamos, vamos, eu ia sair mas...
Sinuca
de bico, pensou. Um fato inusitado aconteceu, pois o capitão reuniu toda a
tropa em seu redor e, empostando a voz, discursou:
Jovens
Tenentes, meus amigos! O Major R, guerreiro como nós, está nos esperando na
Academia do Barro Branco. Ele possui várias viaturas, para o transporte aos
nossos objetivos, naturalmente ele no comando, para a arrancada heróica, a
nossa luta do desagravo. Confiem meus nobres
Oficiais nas minhas palavras, vamos defender a gloriosa Força Pública!
O
Tenente Melo, agora como chefe do Estado Maior notou, na virada da Avenida
Tiradentes, que os pelotões estavam esvaziados, somando ao todo apenas 60
“patriotas”. Na subida da Avenida Água Fria éramos apenas 30.
Esfalfados,
chegamos na Academia apenas 15 idealistas, os relógios marcando 5:00 horas. O major, com a guarda do quartel armada com metralhadoras, nos prendeu em nome da
legalidade - triste madrugada foi aquela...
Éramos agora 15 prisioneiros, réus em 15 Inquéritos Policiais Militares,
nossa Bastilha em Sorocaba, no 7.º Batalhão comandado pelo Coronel
Divo Barsotti.
Em tempo: coitado de
Carvalho Pinto, pois em junho de 1961 houve outra rebelião, agora mais grave;
foi um motim iniciado no Corpo de Bombeiros, os tenentes hasteando uma bandeira preta no quartel da
Praça da Sé. O Aspirante Edil Daubien, comandando um comboio de carros valiosíssimos dos
Bombeiros, entregando-os ao Governador Carvalho Pinto, com a seguinte mensagem:
Esses
carros são de grande valia e não devem ser pilotados por policiais com salário
de fome e uniformes esfarrapados; mas isto é uma outra história!