Com muito orgulho e alegria transcrevo a carta recebida de meu amigo Capitão Veterano Renato Lopes:
Este blog destina-se a manter contato com pessoas ligadas de um modo geral à história de nossa Pátria, de São Paulo e no sentido saudosista à minha querida terra natal, ao pé da Cuesta de Botucatu, a terra do petróleo, da ecologia e do Gigante que Dorme... essa minha terra chamou-se Samambaia, à partir da República Rio Bonito, e em 1921 mudou-se para Bofete, nome oriundo de um guarda-comida (buffet) dos antigos mascates que por lá passavam...
Boa leitura!
terça-feira, 25 de setembro de 2012
domingo, 16 de setembro de 2012
Dois amigos - Duas estórias
Nosso
amigo, o Ten. Bergamin é um curioso da
História da nossa Corporação.
Vasculhando nossas
bibliotecas, encontrou um exemplar da
coleção MILÍTIA, editado em 1950, do
qual extraiu o artigo que transcrevemos
em nosso jornal "Clarinadas da
Tabatinguera”.
O Filho da Marabá
Pertenceu, outrora, ao Regimento de
Cavalaria, uma linda égua alazã, que se distinguia pela pureza do sangue e pela
harmonia de suas linhas. No gênero era um animal de linhas perfeitas. “Marabá”
era o seu nome.
Incluída
no efetivo do Regimento, foi destinada, de início, à seção de hipismo. Dada sua
origem e seus predicados, seria, forçosamente, excelente animal de salto. E o
era de fato. Tinha facilidade em transpor os mais difíceis obstáculos. Mas, não
era animal de concurso. Geralmente, quando chamada a pôr à prova suas
habilidade, falhava. E não houve cavaleiro do Regimento, por mais capaz,
inclusive o próprio Comandante, que conseguisse, perante público numeroso ou
não, concluir um percurso de obstáculos montado no caprichoso animal.
À vista
disso, foi destinada à reprodução. Não queria, porém, o Comandante, cruzá-la
com qualquer reprodutor. Achava, que o cruzamento da nossa “heroína” com um
cavalo de escól, daria um produto bom. Poderia esse reunir boas qualidades dos
dois, sem os caprichos da mãe. Entrou em ligação aqui e ali e, finalmente, o
Chefe do Serviço de Indústria Animal do Estado informou-lhe haver descoberto o
que lhe convinha; encontrava-se ali um puro sangue que estava a calhar. O
Comandante exultou. Para não perder a oportunidade enviou àquele Serviço,
juntamente com a nossa Marabá, mais seis éguas anônimas.
Passados
15 dias retornaram os animais e, enquanto as suas companheiras foram soltas no
pasto, sem mais formalidades, para “Marabá”, começou uma vida a parte. Foi-lhe
destinado um alojamento amplo e arejado, cuja cama era trocada duas vezes por
dia. Teve alimentação especial. Deram-lhe tratador próprio que, diariamente,
levava-a para um passeio higiênico. Às
vezes era solta num pequeno pasto só dela. Tudo sob as vistas do chefe
do Serviço de Veterinária.
E o tempo
foi passando...
O
Comandante do Regimento chegava a sonhar com o filho da “Marabá”. Certo dia
confessou que no sonho da noite anterior havia vencido uma prova, montando-a
E o prazo
da “délivrance” aproximava-se... Finalmente chegou o grande dia. O Comandante
despachava o expediente, quando o veterinário telefonou-lhe dando a grande
notícia. Disse mais qualquer coisa que não foi ouvida pelo Chefe que,
sofregamente, tomou o automóvel, dirigindo-se à Invernada do Barro Branco, mas,
ao defrontar-se com a feliz parturiente, que, toda satisfeita lambia o rebento,
quase teve uma síncope... o filho da “Marabá” era... um burro.
O Balancete
Por falar em Cavalaria, o Ten.
Possidônio, outro amigo, residente em Uberaba, escreveu-me, contando uma
estória ocorrida no Regimento, na segunda metade do século passado, envolvendo
o Comandante, o Tesoureiro e Ele.
O
Comandante – o saudoso Cel. Félix de Barros Morgado.
O
Tesoureiro – o Cel. Horácio Bozon (na época 1.º Tenente).
Ele
– Auxiliar da tesouraria – o Ten. Possidônio, então 2.º Sargento.
Cumprindo
o Regulamento de Administração, todos os meses, as Unidades da Corporação
reuniam os seus Conselhos, para o Balancete. Faziam parte desses Conselhos o
Comandante, o Subcomandante, o Cap. Vogal, o Tesoureiro e o Secretário (hoje em
dia o FEPOM controla todas as receitas e despesas das OPMs).
Na
preparação de uma dessas reuniões, Possidônio estava preocupado, porque o
tesoureiro não chegava para montar o balancete, isto é reunir todas as receitas
e despesas do Regimento, para o estudo do Colendo Conselho.
Na hora
aprazada, adentraram à Tesouraria, para a reunião, todos os membros do
Conselho, menos o Tesoureiro que, apaixonado pela equitação e Hipismo, estava
no picadeiro aberto, exercitando os seus alazões.
O
Comandante, Cel. Morgado, assomando à sacada, à cavaleiro do pátio interno
(picadeiro), avistando o Ten. Bozon, indagou em voz alta, voz de tenor (de fato
o era):
- Ten. Bozon, você já montou o
Balancete?
- Sr. Comandante, esse cavalo
eu não conheço!, respondeu Bozon.
domingo, 2 de setembro de 2012
Campanha de Goiás
Um
veterano, na perseguição à Coluna Miguel Costa–Prestes
nos contou:
-
“Fui soldado do 2º Regimento de Cavalaria da Força Pública em 1926, e, como bom militar,
sabia muito de disciplina e hierarquia militar, porém de tática sempre ficou por
conta dos oficiais superiores. Eu e meus companheiros conhecíamos o significado
na obediência consciente e do acatamento às ordens, sem bajulação, fator importante
nessa caminhada, eivada de sofrimentos, acarretados pela fome, fadiga e saudade
de São Paulo e dos entes queridos. Nosso Regimento desembarcou na cidade de Tavares,
ponto terminal da estrada de ferro Mogiana, de onde empreendeu sua marcha até a
cidade de Arraias.
A
Coluna rebelde, ao passar por cidades e vilas, levava tudo de roldão e o nosso Esquadrão, que fazia a vanguarda da tropa legalista, só encontrava em sua marcha
os restos deixados por ela, como cavalos cansados e outras migalhas; o povo se
encarregava de esconder coisas que nos poderiam ser úteis, agora, os homens
mais abastados da terra camuflavam seu gado e suprimentos.
Naquela
louca competição, entre acossados e competidores, nossos cavalos, um a um,
foram deixados para trás completamente estafados e nossa marcha, então,
prosseguiu a pé. O calçado se gastou, na cadência da passada sobre areia fina daquele
cerrados e das botas fizemos alpargatas, que na primeira chuva se inutlizaram.
Ao
longo das trilhas e caminhos, ostentando amargurada solidão, de quando em vez,
encontrasse sepulturas isoladas, cobertas de pedra, de um bravo inimigo
tombado; era mais um herói sepultado no coração da Pátria a pedir uma oração.
Quantos
como eles também tombaram anônimos, à beira de um regato sobre os chapadões
arenosos, nas orlas dos bosques, nos alcantilados montes das serras, no agreste
e sob a inclemência do tempo, sem terem, na hora derradeira, um último adeus,
uma gota d’agua a mitigar-lhe a sede e nenhum conforto espiritual!
Devido
ao forte calor, o Esquadrão progredia, quase sempre em marchas noturnas. Era um momento em que a nostalgia e a saudade nos tomavam de assalto, principalmente
nas madrugadas, quando avistávamos alguma “queimada”. Daí o espetáculo da
miragem: “ouvíamos” apitos de trens e tanger de sinos em pleno sertão e
“víamos” cidades iluminadas e o próprio prédio Martinelli em construção na
capital.
Não podendo juntar meu pano de barraca ao lado do tenente nem ao dos outros,
troquei-o por um papagaio baiano, que passei a conduzir a um galho adaptado ao
cano de um mosquetão, e com ele dividir a minha solidão no silêncio da mata.
Certa
noite, ao deitar, nas margens do Rio São Domingos, tive o cuidado em fazer uma
fogueira, para afastar felinos em grande quantidade naquelas paragens. Acordei
no dia seguinte, com o capote queimado e aos arredores do leito improvisado,
sobre a areia, sulcados de pegadas de onça.
Por
ser jovem, talvez, o meu tenente incubia-me de muitas missões. Em uma delas,
juntamente com mais um colega, fomos fazer a vanguarda do pelotão dentro da
área de operações. Era uma dia de calor escaldante e, à proporção que nos
aproximávamos de um rio, de águas límpidas e transparentes, percebemos que o
chão produzia certos sons semelhantes de um tambor, na cadência da passada. O
calor era insuportável e ao alcançar o rio, precipitei-me em suas águas.
Continuamos
a marcha e com ela aumentava aquele ruído estranho sob os nosso pés até que
avistamos, na encosta da serra, uma abertura que mais parecia a entrada de um
templo. Aproximamo-nos desse monumento em plena selva. Que espetáculo!
De
ambos os lados da gruta imensa, duas pedras negras delgadas, com suas faces
cortantes, mais lembravam sentinelas permanentes a desafiarem os tempos. Tive
medo e me recordei de Dante:
“Ó Tu que vens das dores à morada;
“Olha
como entras, e em quem estás fiando
Não
te engane do entrar tanta larguesa”
Desafiei Dante: Penetrei no Templo e me queidei extasiado! Flanqueando-o vi outras
sentinelas de pedras, olhei para cima e deparei os estalactites, testemunhas
seculares de encantador efeito. Pisava eu cristais e estalagmites; um fio de
água cristalina corria no centro da nave, tive ímpeto de unir-me às suas águas
e correr mundo.
Voltei
deslumbrado com essa maravilha mas o dever me chamava para a continuação da
marcha; maldito cumprimento do dever e bendita oportunidade de contemplar essa catedral no coração da selva.
Fiquei
sabendo depois que toda essa região era chamada Terra Ronca.
Andava
descalço e de pés feridos, com o fardamento em farrapos. A condição de simples
praça permitia-me o contato com a gente humilde do lugar e sofrer com ela.
Sentava-me
em pedras e troncos de árvores para ouvir os contos e lendas, cheios de
esperanças e misticismos. Uma delas era a narrativa da Pedra Divina – hoje deve
estar dentro dos limites de Brasília:
“...era
Cristo, que em sua peregrinação pelo mundo, naquelas paragens, deixara em baixo
relevo a marca de seu pé sobre uma grande pedra”.
Não
me foi possível a visita a esse lugar em face da continuação da marcha, como
também me foi tolhida a oportunidade de constatar outras histórias fantásticas
do povo.
Tínhamos
ordens de deter e revistar todos os elementos que encontrávamos nessa região.
Em consequência detivemos um caboclo que trazia um saco de lona cheio de
cartas, o qual ao ser interrogado, respondeu:
“Eu
e meus companheiros do Norte, Centro e Sul deste Brasil, vivemos a percorrer a
selva e os rios, onde habita o Uirapuru e canta o Rouxinol do Rio Negro, o
agreste sertão e as caatingas, os chapadões arenosos e as veredas, a ouvir o
canto saudoso da seriema, os pântanos e os lagos, as serras e os montes, os
caminhos e as coxilhas sem fim, sob o calor e o frio, o sol, o vento e a chuva,
na inclemência do tempo, às vezes montado em um pangaré, a distribuir esta
correspondência, pelas vilas povoados e cabanas.
Poucos
se lembram de nós, que somos únicos neste pioneirismo sofrido da Comunicação,
que em longas jornadas, nos alimentamos com rapadura e jabá e recebemos como
paga deste sacrificado trabalho, a quantia de 12 mil réis mensais”.
Visivelmente
comovidos, soltamos o patriótico e dígno correio, lamentando a sua triste
condição.
Um
praça ferido não podendo acompanhar o Pelotão, o nosso comandante deu-me ordens
para esperá-lo a fim de conduzí-lo numa dura jornada até o acantonamento
seguinte da tropa.
O
sítio agora não era aquele dos lindos buritis, das veredas, da Catedral na
selva e dos coqueiros de babaçu imponentes, onde a relva, as palmeiras e os
gigantes de pedra talhada davam, com orgulho, o tom de suas magestades.
Ficara
nesse ermo com minha nostalgia e solidão, entre o chapadão arenoso do cerrado e
o agreste sertão, com suas árvores de galhos desfolhados apontando aquela nudez
para o céu, como que a pedir misericórdia. O canto saudoso da seriema aumentava
a minha melancolia.
A
longa espera e a fome me torturavam. Perscrutei o horizonte e divisei, ao alto
e ao longe, um casebre e para lá me dirigi, encontrando um caboclo com o qual
passei a dialogar, sentado, numa pedra à entrada do rancho.
Sempre
desnudo e com uma cabaça de água salobra a tiracolo à guisa de cantil - o sitiante me contou que água era salgada
porque ali tudo era mar no tempo de
Cristo -, pedi, ao dono do rancho que me vendesse algo para comer, o que
ele sem me convidar para entrar cobrou,
por uma dúzia de ovos, 200 réis. Dei-lhe a moeda, a última.
A
notícia acalentadora era de que a nossa Esquadrilha de Aviação chegaria, trazendo,
além do apoio militar, notícias de São Paulo e a farta correspondência para a tropa.
Contei o fato ao meu “distinto anfitrião” que ele logo iria ver aviões
naquela altura, ao que ele me respondeu:
"...moço,
o senhor está enganado. É por baixo que a estrada é melhor".
Afinal
de contas os senhores me pediram para falar sobre a Campanha de Goiás e eu
falei. Acerca da aviação, só sei que ela nos reconfortou muito, quando ouvíamos
o roncar de seus motores e víamos esses lindos pássaros metálicos sulcarem a
beleza dos céus goianos.
História tirada do livro: Asas e Glórias de São Paulo.
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