O famoso e sempre lembrado “Tenente Galinha”– oficial da
antiga Força Pública, João Antônio de Oliveira – o temido caçador de bandidos,
cujo nome está ligado à história do combate ao crime, tornando-se, no seu tempo
e mesmo nos nossos dias, uma figura de legenda.
Varou, o destemido militar, os sertões
paulistas de lado a lado e foi buscar, afoitamente, vivo ou morto, o bandoleiro
mais temeroso, e o seu renome de intrepidez correu mundo, afugentando os mais
valentes e deixando, na volumosa folha de serviços, a gloriosa reputação de
haver, qual novo bandeirante, saneado os inabitáveis rincões.
O Tenente Galinha ficou, para sempre
popularizado, na crônica policial pelas inomináveis façanhas sem par, que
assinalaram uma época, a época que lhe tomou o nome. Chefiou como ninguém, por
dilatados anos, o selecionado Pelotão de Capturas, que percorria,
ininterruptamente, prestando relevantes serviços a São Paulo.
Sua
equipe era de soldados escolhidos a dedo, e dos quais exigia uma qualidade
primordial: não ter medo. Sua fama de homem valente se alastrou de tal forma,
que muitos episódios e muitos casos se inventaram e criaram por aí, aureolados
de pura lenda, e que, no entanto, passaram à categoria das coisas verídicas.
João Antônio de Oliveira era o tipo do homem
forte, alto, cheio de corpo, espadaúdo, claro, olhos castanhos muito
brilhantes, pequenos e vivos, a bailarem nervosamente dentro de duas grossas
pálpebras pestanudas. Os cabelos muito escassos, alourados, as mãos grossas,
maltratadas pelo rude trabalho, através dos sertões. De ordinário se trajava à
paisana e dava preferência a um paletó talhado à francesa, de cor azul-marinho
quase negro, com um colete longamente aberto, gravata sempre de cores vivas, de
laço por fazer, apertando um colarinho baixo, de pontas viradas; e umas calças
de casimira clara e umas botinhas amarelas. Completava-lhe o traje habitual,
largo chapéu mole, marrom, constantemente descido sobre os olhos quase a
chegar-lhe às sobrancelhas. Trazia sempre preso à ilharga esquerda, numa bolsa
segura ao largo cinto de couro, finíssimo revólver “Smith & Wesson”, último
modelo, de que não se separava nunca.
Emérito conhecedor de armas de fogo, de que
se mostrava exímio manejador, tinha pontaria infalível, sendo muito raro perder
um tiro. O popularíssimo policial era capaz de derrubar um pássaro a longa
distância, façanha de que se tornara autêntico campeão.
A respeito da vida aventurosa do Tenente
Galinha, narram-se, por aí, às centenas, façanhas capazes de fazer eriçar os
cabelos dos mais afoitos. Era tão grande o prestígio do seu renome, sertão
afora, que muitas vezes, os mais temerosos bandidos se dobravam trêmulos,
pálidos de susto, jogando-se a seus pés, ao perceberem que se encontraram diante
do afamado chefe do Pelotão de Capturas.
Conta-se que, em certa tarde, numa venda
levantada à beira da estrada, que ia ter aos Campos Novos, o caçador de
bandidos encontrou um tal de Lino Ferro, negralhão, valente como os mais
valentes, o qual de uma feita, numa função de roça, a golpes de faca,
assassinara dois homens, fugindo em seguida, apesar de ter recebido em pleno
peito um tiro de garrucha.
À procura do homicida andava o tenente. Viu-o
e, de manso, calmamente aproximou-se dizendo-lhe ao ouvido:
-
Meu amigo, dá-me duas palavras...
- Mas quem é você, replicou o
criminoso, desconfiado, de mão na coronha de sua carabina.
-
Sou o “Alferes Galinha”!
O
negralhão, como que atingindo por uma faísca elétrica, caiu ao solo.
A simples enunciação
do nome daquele homem, que cavalgava um rosilho de ínfima qualidade, com o
largo chapéu desabado sobre os olhos, a empunhar um clavinote curto, prestes a
disparar, aterrara-o!
Pouco depois, voltando a si da dolorosa surpresa, o colosso
já se achava entre os soldados da escolta e de mãos amarradas às costas.
Vencido este, o nosso herói já tinha plano para nova
façanha, novo entrevero, de que se saia sempre vitorioso, pois estava
acostumado a lutar, às vezes sozinho, com dez ou vinte bandidos, no seio da
noite, entre o zunir de balas e o tilintar de punais.
Quase todas as noites, quando não estava
viajando, costumava procurar a reportagem credenciada junto à Polícia Central,
e ali se deliciava em contar, com algum exagero, as peripécias da sua vida.
Mantinha ativa correspondência com pessoas do interior, e pela qual obtinha,
com frequência, a localização de criminosos foragidos.
Quase sempre, ao concluir suas emocionantes
narrativas, caracterizadas por um cunho de saborosos contos policiais, apesar
do linguajar desataviado, usando e abusando de termos da gíria e de baixo
calão, o homem sem medo costumava rematar com esta frase:
-
Não sou tão mau, como dizem. É
preciso ser ”brabo” às vezes.
O tenente era de uma extraordinária dedicação
à polícia, dentro da qual se fizera e criara tão derramada popularidade. Assim,
quando se instalou o curso de Oficiais da Força Pública, imprescindível para a
promoção, ele abdicou desse privilégio, pois achava que era mais importante um
ano no sertão, arriscando a vida para o bem da sociedade, em vez de quedar-se
nos bancos escolares para ser tenente ou capitão. Prejudicou, com isso sua
carreira, mas se realizou, vivendo perigosamente.
A par de ótimos serviços, que muito
contribuíram para o sossego das populações do interior, alarmadas com as proezas
de terríveis salteadores e facínoras, “João Galinha” era acusado de
perversidades e vandalismos, que garantem, praticava por divertimento, apenas
para satisfazer aos seus instintos maus. Não se sabe, com segurança, se essas
acusações são procedentes ou inventadas pelos seus inimigos.
Era corrente, por exemplo, a versão de que
ele não costumava trazer presos os criminosos capturados, mas exclusivamente
suas orelhas enfiadas num arame...
Em
todo caso, é inegável que o famoso militar escorrassou do seio da sociedade,
onde constituíam grave perigo à sua tranquilidade, numerosos elementos
perigosos, que graças à ele foram espiar, nos cárceres os seus crimes.
O Alferes Galinha teve, com o desenrolar de
sua própria vida, um final trágico. Morreu na madrugada de 13 de abril de 1913,
assassinado em seu leito, enquanto dormia. Só assim poderiam trucidá-lo.
O crime entregue à elucidação do Dr.
Mascarenha Neves, da 5ª Delegacia, parecia, a princípio, revestir-se de
mistério. A opinião pública empolgou-se vivamente com a tragédia. Mas, dentro
de três ou quatro dias estava tudo perfeitamente esclarecido com a confissão e
a acareação dos criminosos, que foram o Inspetor de Polícia Israel Coimbra,
Benedito Silva, alcunhado de “Manquinho” e Benedita de Oliveira, esposa do tenente.
Foi vítima de sua mulher e de seu melhor
amigo, pois Israel Coimbra viera de Barretos, trazido pelo próprio tenente, que
conseguiu uma nomeação como Agente de Segurança, no Departamento de
Investigações.
O móvel do crime foi um seguro de vida, feito
por Galinha, beneficiando Benedita de Oliveira e o filho Pretextato. Seria o
“crime perfeito”, a trama não podia falhar, pois armaram a tragédia e a
consumaram, dando a impressão de que o tenente fora vítima de ladrões ou de
inimigos que, por certo, ele os tinha e muitos.
Assim, passados tantos anos de tão trágico
drama, relembramos o nome do Tenente Galinha, cuja vida decorreu entre
peripécias de verdadeira novela policial. Ele emerge soberano, fazendo vibrar
nossos corações, pois, seus atos de bravura se entrelaçam com estórias
fantásticas. É o herói, o famoso lutador João Antônio de Oliveira, imortalizado
nas ruas da metrópole (há uma rua em sua homenagem, travessa da Rua da Mooca,
na altura da Imprensa Oficial do Estado), e na alma popular paulista. Ele
arriscou sua vida, defendendo a ordem, a lei, as conquistas do progresso, em
andanças maravilhosas pelos sertões, na mais perigosa das caçadas, a de
bandidos terríveis, à frente do Pelotão de Capturas do 5º. Batalhão da Milícia
Paulista. É o paradigma dos bravos e dos desprendidos, o símbolo do servidor do
Estado e da Pátria, o exemplo para atual e vindouras gerações da extremada
Polícia Militar de São Paulo.
Nota: Sobre o
apelido “Galinha”, contou-me um antigo comandante o seguinte: natural
de Capivari, na juventude, cometia junto com colegas furtos de aves e passavam
as madrugadas (principalmente em velórios), degustando as penosas. Aos
vinte anos alistou-se na Força Pública, alcançando, por estudos, a promoção a
Alferes, posto correspondente ao 2º. tenente, sendo mandado para comandar o
destacamento de sua cidade natal.
Seus amigos, aqueles jovens das galinhadas, já
homens feitos, cometiam estripulias pela cidade, infrações, pequenos delitos e
o Alferes João Antônio de Oliveira não tinha contemplação, prendia-os e os
recolhia ao xadrez.
Os presos
reclamavam, chamando o amigo Alferes para soltá-los, alegando a antiga amizade,
mas o tenente não atendia, em função da sua responsabilidade, era um defensor
da lei.
As cenas se repetiam constantemente e as
lamentações também, principalmente em
fins de semana:
- João, lembra daquelas madrugadas, das galinhadas?
Você é nosso amigo... tire-nos daqui...
O Alferes continuava intransigente. Enfurecidos pela
indiferença do ex amigo, começaram a chamá-lo de João Galinha, Alferes Galinha,
Tenente Galinha, e o apelido pegou.